Fernão Mendez Pinto. 35

porq̃ ſe não perdeſſe á mingoa, a que eu, deſpois de lhe dar algũas rezoẽs por minha parte, q̃ me elle não quiz aceitar, dandome ſempre outras em contrario das que lhe eu daua, lhe vim em fim a dizer, q̃ ſendo caſo que o mataſſem, como elle dizia, a fim de lhe roubarem aquella fazenda, q̃ onde poderia eu eſcapar q̃ me não fizeſſem o meſmo? E que ſe tinha aquella noua por tão certa como me affirmaua, q̃ porq̃ deixaua yr aquelles onze Portugueſes, ou porq̃ não ſe embarcaua com elles para Malaca? a q̃ reſpondeo: Sabe Deos quão arrependido eu eſtou diſſo, mas ja q̃ o eu não fiz como dizeis, fazey vos agora iſto q̃ vos eu peço, & requeyro da parte do ſenhor Capitão, aquẽ logo ey de eſcreuer, & dar conta de todas eſtas couſas que paſſey com voſco, & elle vos não ha de ter a bem deixardeſme aquy ſó cõ ſua fazenda, q̃ não he tão pouca q̃ não paſſe de trinta mil cruzados de emprego, & meus quaſi outros tãtos. Eu, vedome aſsi cõfuſo entre o requerimẽto q̃ me elle fazia para ficar, & o perigo q̃ eu corria ſe ficaſſe, não me ſabia determinar a qual deſtes dous eſtremos me inclinaſſe, pelo qual, deſpois de lançar minhas cõtas, me foy forçado por melhor remedio, vir a concerto cõ elle por eſta maneyra, q̃ ſe dentro de quinze dias ſe não auiaſſe para ſe embarcar comigo naquella lanchara para Patane, com a fazenda feita em ouro & pedraria, de que então auia na terra muyta quantidade, aſsi de hũa couſa como de outra, que eu me pudeſſe yr liuremenre para onde leuaua minha derrota, o que elle aceitou, & deſta maneyra ficamos ambos bem auindos.

CAP. XXXV.
Como el Rey de Pão foy morto, & quem o matou; & a razão porque, & do q̃ então nos ſocedeo a Tomê Lobo & a mim.


TOmè Lobo ſe deu tanta preſſa em vender a fazenda, como quem ſe temia do que lhe tinhão certificado & fez tão bõ barato della, que em menos de oito dias as caſas eſtauão deſpejadas de toda a roupa, & não querendo tomar pimenta, nem crauo, nem outra droga nenhũa que pudeſſe fazer pejo, a trocou ſomente por ouro de Menancabo, & por diamantes que ahy tinhão vindo nos jurupangos de Laue, & de Tanjampura, & por algũas perolas de Borneo & Solor. E tendo ja quaſi tudo arrecadado, com tenção de nos embarcarmos ao outro dia, ordenou o demonio que aquella noite logo ſeguinte aconteceſſe hum caſo aſſaz eſpantoſo, o qual foy que hum Coja Geinal Embaixador del Rey de Borneo que auia ja tres ou quatro annos q̃ reſidia na corte del Rey de Pão, & era homẽ muyto rico, matou a el Rey, pelo achar cõ ſoa molher, pela qual cauſa foy tamanha a reuolta na cidade, & em todo o pouo, q̃ não parecia couſa

E 3 de ho‐