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   A que a buscava, e que não era louca,
A recolhia em casa, e pela mama
Apenas lhe levava cousa pouca.
   Sempre de todas dava boa fama,
De freguezes lhe armava quantidade,
Té as pôr sobre si com casa e cama.
   Nos ganhos não levou nunca metade;
Qualquer cousa aceitava, porque pensa
Que o mais era faltar á caridade.
   Dotada foi de caridade immensa;
Sempre ao lado se achou da sua amiga
No tempo da saude, e da doença.
   Aquella moça gordalhuda o diga;
Ella pode pintar mais vivos quadros
D’esta estimavel, d’esta amante liga.
   No tempo em que ella andou vagando os adros
Mil vezes lhe curou c’os seus inventos
Crueis camadas de piolhos ladros.
   Ella mesma c’os dedos fedorentos
Cheia de amor, de caridade cheia,
Lhe ministrava os fetidos unguentos.
   Á frouxa luz da tremula candêa,
Que tem no chammejar seus intervalos,
As chagas cura, a porquidade aceia:
   De alvissima pomada untando os callos,
As partes amacîa, que mordêra
O dente de ardentissimos cavallos.
   Jámais no seu trajar luxo tivera,
Nem na sua cabeça houve polvilhos,
Depois que seu marido lhe morrêra.