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a marilia
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Não, não me assombram tuas negras côres,
Dos homens o pincel, e a mão conheço:
Trema de ouvir sacrilego ameaço
Quem d’um Deus quando quer faz um tyranno:
Trema a superstição; lagrimas, preces,
Votos, suspiros arquejando espalhe,
Coza as faces co’a terra, os peitos fira,
Vergonhosa piedade, inutil venia
Espere ás plantas de impostor sagrado,
Que ora os infernos abre, ora os ferrolha:
Que ás leis, que as propensões da natureza
Eternas, immutaveis, necessarias,
Chama espantosos, voluntarios crimes;
Que as ávidas paixões, que em si fomenta,
Abhorrece nos mais, nos mais fulmina:
Que molesto jejum, roaz cilicio
Com despotica voz á carne arbitra,
E, nos ares lançando a futil benção,
Vae do grantribunal desenfadar-se
Em sordido prazer, venaes delicias,
Escandalo de Amor, que dá, não vende.


II


Oh Deus, não oppressor, não vingativo,
Não vibrando co’a dextra o raio ardente
Contra o suave instincto, que nos déste;
Não carrancudo, rispido arrojando
Sobre os mortaes a rigida sentença,
A punição cruel, que excede o crime,