Até na opinião do cego escravo.
Que te adora, te incensa, e crê qu’és duro!
Monstros de vís paixões, damnados peitos
Regidos pelo sofrego interesse
(Alto, impassivo numen!) te attribuem
A cholera, a vingança, os vicios todos,
Negros enxames, que lhe fervem n’alma!
Quer sanhudo ministro dos altares
Dourar o horror das barbaras cruezas,
Cobrir com véo compacto e venerando
A atroz satisfação de antigos odios,
Que a mira poem no estrago da innocencia,
Ou quer manter asperrimo dominio,
Que os vaivens da razão franquêa, e nutre:
Eil-o, em sancto furor todo abrasado,
Hirto o cabello, os olhos côr de fogo,
A maldição na bocca, o fel, a espuma,
Eil-o, cheio de um Deus tão mau como elle,
Eil-o citando os horridos exemplos
Em que aterrada observe a phantasia
Um Deus o algoz, a victima o seu povo:
No sobr’olho o pavor, nas mãos a morte,
Envolto em nuvens, em trovões, em raios
De Israel o tyranno omnipotente;
Lá brama do Sinay, lá treme a terra!
O torvo executor dos seus decretos,
Hypocrita feroz, Moysés astuto,
Ouve o terrivel Deus, que assim traveja:
«Vae, ministro fiel, dos meus furores!
Corre, vôa a vingar-me: seja a raiva
Página:Poesias eroticas, burlescas e satyricas.djvu/42
38