Página:Revista do Brasil, 1917, anno II, v V, n 17.pdf/100

88
REVISTA DO BRASIL

em paredes meio derruidas. Pauperrimos, a propria vivenda em que moram é alheia — pertence a um irmão mais moço de Prospero, fazendeiro "desempenhado", e tão sovina que o ceder-lhes por favor essa moradia, deixa todos boqui-abertos. Os velhos nunca se queixaram; mas sei que o proprietario, o major Claudino, não lhes dá ahi completo socego. E' uns dez annos mais moço que Prospero. Foi este quem lhe deu a mão para começar a vida, e continual-a; e tambem foi Claudino quem abocanhou os ultimos restos de sua fortuna, valendo-se de contas pouco comprehensiveis e de juros mysteriosamente intrincados. Nessa época, como quizesse expulsar os velhos da fazenda, levantou tal clamor entre os conhecidos e parentes, que Claudino cedeu, a contragosto, deixando-lhes o uso-fructo da casa e de algumas braças de terreno. — "Estão velhos, pouco hão de durar", dizia para conformar-se. Mas os velhos estão varando valentemente o restante do seculo; e Claudino com isso impacienta-se, diz impertinencias, reclama contra o descalabro crescente de tudo, e quer leval-os para sua propria casa. Prospero limita-se a replicar sorrindo e sem levar a mal: "Tenha paciencia, mano! Espere mais um pouco. Para o anno eu e a prima já estamos pescando mandys no rio da Eternidade..." (A "prima" é siá Marciana. tratamento, por serem parentes chegados).

Emquanto esperam, vão pescando mandys no rio que passa aos fundos da fazenda. Tanto basta para esquecerem os annos e as enfermidades. Toda a tarde, Prospero, com o rosto encoberto sob as largas abas de um chapéo achamboado, entra em sua velhissima canoa de peroba, que é preciso tentear com cuidados infinitos para não fazer agua, e vae distribuindo aqui e alli, pelas duas margens, anzoes de espera e laços de capivara; e sobre a madrugada seguinte, lá vae correr os mesmos sitios, a dar balanço nos rendimentos da noite... E longe em longe acontece acabar de matar no anzol, a pontoadas de chuço, um enorme dourado, que alegremente traz ás costas, ládeira ácima, e que, resfolegando, num gesto triumphal, atira pesadamente sobre a mesa de jantar.

Durante o dia, elle, mais a velha, radicam-se á sombra d'um ingazeiro, cujas ramarias espalhadas protegem do sol,