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VIDA OCIOSA

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Americo, meu grande amigo, que me espera. Radiante acena-me uma saudação e precipita-se ao' meu encontro; alegremente correspondo em gesto e movimento; afinal estreitamo-nos em reforçado abraço.

Mais uma centena de passos, e eis-nos chegados á fazenda do Corrego Fundo.

II

Alquebrada de velhice, a casa mal se firma agora nos esteios obliquos e comidos de cupim. Vergastadas dos temporaes, e aluidas pollegada a pollegada pela acção erosiva do tempo, as paredes destroçadas só raros vestigios mostram da ultima mão de cal levada vinte annos antes.

As ripas enxadrezadas com os paus a pique, exhibem por toda a parte a sua ossatura carunchosa. E' mais um cadaver de casa, uma carcassa decomposta, que já exhibe as costellas descarnadas. Ao lado da casa, onde foram as tulhas, é hoje um montão de escombros; e no eirado, para onde se abre a porta principal, cresce o capim desafogadamente. Contrastando com esse ar de morte e abandono, e dando uma nota ridente, de vida, ao vetusto pardieiro, sobe dos fundos uma espiral de fumo azul, que se desfibra lentamente no espaço.

Ahi moram o velho Prospero e siá Marciana, paes do Americo. Já rumando os oitenta ou noventa annos (nem sei quantos!) dão exemplo de serena velhice, sem amarguras contra a vida, nem o pezar de deixal-a. Emquanto poude, o velho trabalhou. Foi fazendeiro, teve grandes rebanhos de gado, e extensos alqueires de plantações; mas, por ser bom e confiante, o que tinha foi-se rapidamente, quando sua actividade começou a declinar, e ao peso dos gastos não podia oppor equivalente receita. Ingratidões e abusos de confiança levaram-lhe até o ultimo vintem; o que porém se lhe salvou do sossobro, e á sua companheira, o unico e precioso thesouro inconsumptivel de que não os puderam esbulhar, foi a branda alegria d'alma que os acompanhou em todas as vicissitudes do passado, e que dá á velhice de ambos uns toques de mocidade vivaz, como festões de madresilvas alastrando