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nuntius antiquus

Belo Horizonte, v. X, n. 2, jul.-dez. 2014
ISSN: 2179-7064 (impresso) - 1983-3636 (online)

Viu-o o caçador, enregelou-lhe a face.

[117] Ele e seus bichos a casa voltaram:*
Aterrorizado, em silêncio, atento,*
[119] ---- seu coração, sua face como um dia sombrio,
Havia tristeza em suas entranhas,
À de quem chega de longe sua face se iguala.*

[122] O caçador a boca abriu para falar e disse ao pai:*
Pai, há um homem que vai ao açude,*
[124] No país é ele que mais força tem,
Como uma rocha de Ánu é sua poderosa força.*

[126] Vagueia sobre os montes todo o dia,


[Verso 117] Não fica claro a quem este verso se refere, se a Enkídu ou ao caçador. George argumenta que a presença do pronome šū indica uma mudança do sujeito, logo, trata-se de Enkídu (GBGE, p. 791).

[Versos 118-121] Fica também ambíguo a quem se atribuem essas reações, se a Enkídu ou ao caçador. Caso se opte pelo segundo, trata-se de uma simples introdução ao que ele dirá ao pai; caso a referência seja a Enkídu, essas reações funcionam como uma espécie de pano de fundo, deixado em suspense enquanto a ação se desenrola no outro plano, até que tudo desemboque no impactante encontro com a prostituta.

[Versos 120-121] Este dístico repete-se mais de uma vez na tabuinha 10, sempre aplicado a Gilgámesh, seja pelo narrador (v. 9-10), seja pelas personagens, a saber, a taberneira Shidúri (42-43), o barqueiro Ur-shánabi (115-116) e Uta-napíshti (215-216); em suas respostas às falas das três personagens, é o próprio Gilgámesh que também aplica os mesmos termos a si ([49-50], 122-123 e 222-223).

[Verso 122] Trata-se de uma fórmula para a introdução de discursos diretos, aqui na sua versão mais longa.

[Versos 123-132] O conteúdo do que diz o caçador a seu pai implica uma mudança de foco relativa à descrição de Enkídu. Até então tudo o que se sabia dele era devido ao narrador, que goza do predicado da onisciência: sua origem, sua figura, sua vida entre os animais. Agora, o leitor é conduzido pelo olho do caçador, que realça o quanto Enkídu se contrapõe ao mundo civilizado (ver Dickson, 2007, p. 171-174).

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