Página:Sîn-lēqi-unninni, Ele o abismo viu (Série de Gilgámesh 1).pdf/26

nuntius antiquus

Belo Horizonte, v. X, n. 2, jul.-dez. 2014
ISSN: 2179-7064 (impresso) - 1983-3636 (online)


E o desejo dele se excitou por ela.
[194] Seis dias e sete noites Enkídu esteve ereto e copulou com
Shámhat.*
Depois de farto de seus encantos,

[196] Sua face voltou para seu rebanho.
Viram-no, a Enkídu, e se puseram a correr,
[198] Os bichos da estepe fugiram de sua figura:
Contaminara Enkídu a pureza de seu corpo,

[200] Inertes tinha os joelhos, enquanto os bichos avançavam,
Diminuído estava Enkídu, não como antes corria.*
[202] Mas agora tinha ele entendimento, amplidão de saber.*
Voltou a sentar-se aos pés da meretriz.*


[Verso 194] Este período de tempo (“seis dias e sete noites”) volta a aparecer em outros pontos importantes do poema: a duração dos funerais de Enkídu (10, 58 etc.); a duração do dilúvio (11, 128); o período sem sono que Uta-napíshti prescreve para Gilgámesh (11, 209).

O manuscrito de Pensilvânia oferece, para esta passagem, a variante “sete dias e sete noites”, que é comum também para as outras ocorrências (cf. GBGE, p. 797).

[Versos 199-202] Note-se como se apresenta como complexa a iniciação de Enkídu no mundo humano e civilizado, o que, conforme Bailey (1970, p. 142), é “uma medida da grandeza deste épico” que pinta tal entrecho como algo que implica, ao mesmo tempo, “ganhos e perdas”. Com efeito, ele ganha em inteligência ao preço da perda de parte de sua capacidade física, não tendo mais a velocidade das gazelas.

[Verso 202] Observa SEG, p. 114: “Enkídu já não é um lullû, ‘quase-homem, semi-homem’, projeto inacabado de humanidade, mas um homem feito e acabado, tanto física quanto mentalmente”.

A expressão que traduzi por “amplidão de saber” é rapaš hasīsa, em que o último termo (hasīsum) tem como primeiro sentido “orelha”, “ouvido”, “audição” e, a partir daí, “compreensão”, “sabedoria”, como no nome próprio Atra(m)-hasīs, “muito sábio”. Essa relação do conhecimento com a audição parece própria das culturas semíticas, em que o ouvido tem a função que, entre os gregos, se atribui preferentemente ao olho enquanto fonte de conhecimento. Nos versos seguintes, especialmente no 205, fica claro como se dá essa aquisição de sabedoria pelo ouvido.

150