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BRANDÃO, Jacyntho Lins. Sîn-lēqi-unninni..., p. 125-160

A sabedoria de Shámhat


[204] A meretriz olhou ele seu rosto,*
E o que a meretriz fala escutam seus ouvidos,*
[206] A meretriz a ele diz, a Enkídu:
És bom, Enkídu, como um deus és tu!*

[208] Por que vagas com os animais pela estepe?
Vem! Levar-te-ei ao coração de Úruk, o redil,
[210] À casa dos deuses, morada de Ánu e Ishtar,
Onde também está Gilgámesh, perfeito em força,

[212] E como touro selvagem tem ele poder sobre os homens.
Ela falava e ele assentia com suas palavras,
[214] Seu coração sagaz buscava um amigo.*
Enkídu a ela diz, à meretriz:

[216] Vem, Shámhat, convida-me
À casa dos deuses, morada pura de Ánu e Ishtar,
[218] Onde também está Gilgámesh, perfeito em força,
E como touro selvagem tem ele poder sobre os homens.


[Versos 203-206] Note-se a enfática repetição de meretriz, harimti/harimtu(m), nesses versos, em posições variadas nos sintagmas (o que mantive na tradução), reforçando o papel de Shámhat como aquela que infunde saber em Enkídu.

[Verso 204] Variante deste verso: “a meretriz olhou o rosto dele”, as duas opções dependendo de que se tenha o objeto do verbo “olhar” determinado por um possessivo no masculino (panišu, “rosto dele”) ou no feminino (paniša, “rosto dela”). A opção que adotei, seguindo o texto de GBGE, constitui a lectio difficilior.

[Verso 205] “Escutam seus ouvidos” traduz išema uznašu, em que o último termo, uznu(m), significa tanto “orelha”, “ouvido”, quanto “entendimento”, “sabedoria”.

[Verso 207] Traduzi literalmente [dam]-qa-ta (cf. damquat, de damāqu(m), “estar bom”, “ser bom”). Em geral se prefere verter como “és belo”.

[Verso 214] O que traduzi por “sagaz” (em mūdu libbašu, “seu coração sagaz”) é o adjetivo mūdu(m), derivado do verbo edû(m), “conhecer”, “saber”.

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