Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 17, n. 3, e20210034, 2022
ixébe[1]
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para mim
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ma’eaíba pe remimonhangûera resé
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por causa das coisas más, as feitas no passado por vocês,
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kó marana,
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esta guerra[2],
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pe raûsubare’yma.
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de vocês não me compadecendo.
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Marãnamo,
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Por quê,
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kó yby poretéramo
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desta terra como habitantes verdadeiros
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pe rekóreme,
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se vocês estão,
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amarãmonhangype[3]
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faço guerra
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Na saûsubarypyramo ruã
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Não como aqueles de quem se compadece
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sekóû?
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estão eles?[6]
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Ma’ẽtepe é mokõî ygûã
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Ora, duas vezes já
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maramonhangápe?
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em luta?
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Oré resé[7] omaramonhãba’e,
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Contra nós os que lutavam,
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apŷabaíba pitikoara[8],
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Os homens maus potiguaras,
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Apŷabaíba pytybõsara
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Dos homens maus os ajudantes,
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opakatu i kanhemi
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todos eles pereceram
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kûesé akỹ[12]
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ontem, lamentavelmente,
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maramonhangápe.
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na batalha.
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Apŷabaíba irũnamo
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Com os homens maus
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o a’o resé
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para sua própria desonra
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omaramonhãba’epûera,
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os que lutaram,
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opakatu i kanhemi
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todos eles pereceram
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- ↑ Ixeue, no original. Ver a nota 6.
- ↑ Aqui, Felipe Camarão parece referir-se ao massacre de Cunhaú, ocorrido em 16 de julho daquele ano de 1645, ao qual já nos referimos anteriormente.
- ↑ A colocação do clítico ype aí marca a interrogação. No original borrado parece estar escrito ape.
- ↑ Usou-se o ‘nós’ exclusivo, oré, pois Pedro Poti, o destinatário da carta, não poderia ser um gûasembaba, um ‘chegado’ de si mesmo.
- ↑ A posposição ri parece estar escrita sobre gûasembaba no original.
- ↑ Na s-aûsubar-ypyr-amo ruã sekóû? Literalmente, “Não como os ‘compadecidos’ (isto é, como objetos de compaixão) estão eles?’. O verbo aûsubar (s), ‘compadecer-se’, é transitivo direto em tupi.
- ↑ Estas duas palavras foram escritas em cima de outra, provavelmente como correção de erro do missivista.
- ↑ Pitikoara, ‘potiguara’, ‘petiguara’, nome do grupo indígena da costa nordestina ao qual pertenciam Felipe Camarão e Pedro Poti.
- ↑ O -i do modo indicativo circunstancial foi sufixado à composição do verbo com um morfema não verbal, o que era comum em tupi antigo.
- ↑ No original, serinhaime. Serinha’ẽ, de seri + nha’ẽ, ‘bacia de siris’, isto é, buraco no chão ou no leito de um rio, onde os siris ficavam.
- ↑ Esta carta confirma as informações dadas por Frei Calado do Salvador sobre o massacre de Serinhaém, ocorrido nos dois dias anteriores ao da sua redação: “Vendo o comendador e os mais que com ele estavam a fortaleza cercada por todas as partes dos moradores da terra, . . . . logo sem mais dilatar se entregaram. . . . . Os flamengos rendidos foram sessenta e dous; também com eles estavam na fortaleza cinquenta e seis índios brasilianos, aos quais, por quanto sendo vassalos de El Rey e nascidos na terra de Parnambuco . . . ., o povo todo clamou que se lhes não desse quartel e, assim, o Doutor Francisco Brabo da Silveira, que vinha por auditor general, os condenou à morte e foram enforcados ao redor da fortaleza, e as mulheres e meninos dos índios foram dados e repartidos por os moradores. . .” (Calado, 1668, pp. 70-71).
- ↑ Akỹ (ou aky) é uma interjeição que expressa dó, dor ou lamento (Valle, 1952, p. 53).