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turba, reatravessando os pátios, tropeçando nos servos que matara, caindo por sobre os lumes que acendera. Já estavam contra a muralha. Já as costas se voltavam para fugir. Então, com um último urro, que atroou toda a colina. carregou sobre a turba – que, num súbito pavor, varou a porta aberta, galgou a ponte levadiça. desceu de roldão a colina, até parar no vale, onde os carros esperavam. E Cristóvão, passando também a ponte, ficou no meio da colina imóvel, grande como uma torre, apoiado à sua barra de ferro e limpando o suor. Mas então, de entre a multidão que embaixo se agitava, um velho avançou, sem armas, com um ramo de oliveira na mão – e caminhou para Cristóvão. A meio da colina parou, e erguendo os braços perguntou a Cristóvão, porque os atacava ele, servo, que decerto sofria da servidão, a eles, servos também, que no fim de tantos tempos de sofrimento, só queriam partilhar de algumas doçuras da terra? Não era só pelo mal de destruir que eles atacavam os castelos. É que ali, entre as suas muralhas, estava a gente orgulhosa que os escravizava, causava a fome dos seus filhos, o frio das suas moradas, as fadigas sem nome – e eles vinham simplesmente matar o mal da terra. Ele, velho, que lhe falava, trabalhara cinqüenta anos a gleba, tivera o corpo vincado pelos azorragues, vira a sua choupana queimada pelo Senhor: