no céu, deixava o montão de folhas secas que lhe servia de leito, atava uma corda em torno da sua túnica de pele de cabra, e ajoelhado, com os braços abertos diante de uma cruz de pau cravada entre duas lajes, no eirado, começava a sua oração, até que ao fundo dos areais já rosados o Sol surgia no céu sem nuvens, já ardente, todo de brasa e de ouro. Direito, então, Onofre entoava um cântico, agradecendo ao Senhor o dia novo. Depois, em obediência ao preceito de Santo Antão, que atribuía ao trabalho tanta virtude como à prece, tomava a sua enxada, o seu podão, o seu balde de couro, e descia, ainda cantando, a trabalhar em baixo naquele horto que a água criara, e que ele alargava, pacientemente, por sobre as areias, para que a Palavra se cumprisse, e o Deserto se cobrisse de flores. Quando o céu pesado flamejava na sua imobilidade, e as ramarias enegreciam como bronze na refulgência ambiente, e a terra lhe escaldava os pés nus, Onofre, esfalfado, sedento, fumegando como um boi na lavragem, subia à sua caverna, desenrolava os rolos de papiro, que continham os Quatro Evangelhos, e encolhido numa tira de sombra, depois de beijar as linhas divinas, mergulhava numa meditação, em que toda a vida do Senhor revivia lentamente na sua alma, e a inundava de doçura, ou a traspassava de dor. Prostrado, com a face nas lajes abrasadas,