chão aos pés do seu leito, e contava o seu dinheiro; ou ia observar no bocal de vidro se as sanguessugas, subindo à flor da água, anunciavam o norte e o bom tempo. Nos dias de sol percorria devagar a sua horta, pelas ruas orladas de alfazema; visitava os seus galgos, que, ociosos e gordos também, dormitavam pesadamente; descia ao lagar, depois à eira, sorrindo paternalmente aos servos, que dobravam o joelho; e terminava por descansar, num caramanchão de rosas, escutando o murmúrio lento das águas de rega.
O toque de Trindades anunciava a ceia. Na sala, separada da cozinha por um arco de cantaria, as grossas malgas de caldo fumegavam sobre o carvalho nu da távola, entre pães de sêmea, e fortes pichéis de vinho. O bom Senhor, tendo lavado as mãos na água perfumada de vinagre, que o servo entornava de um grande jarro de cobre, ocupava a sua cadeira senhorial. O capelão defronte dizia o benedicite: – e D. Tareja tirava todos os seus anéis, para deitar dentro da sua malga a côdea escura do pão. O bom Senhor comia com lentidão e silêncio. O vinho do seu pichel era renovado pelo intendente que, a cada instante, se erguia com a boca cheia e ia encher o pichel senhorial ao pipo pousado a um canto, sobre barrotes de madeira. Depois do porco assado, vinha uma ave, galinha ou pato, que D. Rui partia com os dedos,