que tudo podem, por terem tocado as mãos do Senhor.
Mas nem sempre D. Gil parecia persuadido. E puxando para si o in-fólio, relia a boa doutrina, mais detidamente, como quem, para um recanto mal alumiado, chega uma luz mais forte. Tanto amor ganhou então a estes livros, e ao saber que deles tirava, que não houve mais para ele outro interesse ou cuidado. Logo desde a alvorada se encerrava na torre de estudo, diante da vasta mesa que os fólios majestosos cobriam: – e muitas vezes às horas de comer, tendo já o varlete da mesa tocado três vezes a buzina, tinha D. Rui de subir a escadaria da torre, e sacudir-lhe o braço, para o arrancar ao estudo, onde a alma se lhe afundava, como num mar de deleite. Passeando na quinta, a cada passo tirava da escarcela um pedaço de velino, e, encostado a um tronco de árvore, com o olhar ora esparso pelo chão, ora alçado lentamente ao céu, traçava linhas vagarosas. Tão alheado vivia no seu pensar, que D. Tareja tinha de lhe pentear os cabelos que ele deixava emaranhados, e de lhe laçar os atilhos dos seus borzeguins de couro mole. De noite, com o candil pendurado junto do leito, e um fólio no travesseiro, lia ainda, lia tanto, que já as andorinhas cantavam no beiral da sua janela quando ele, com um suspiro, e a custo, cerrava os fechos do fólio.