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sorte, que a carne cobre os dentes, e os faz cahir com grande perda de sangue a ponto de não se poder estancar, sobrevindo tambem os encommodos de estomago e inchação, e d’isto tudo resulta a morte escapando poucos: mercê de Deos ninguem morreo durante a nossa viagem, porem apenas entramos na terra, falleceram tres, e ahi ficaram sepultados.

De Guiné viemos-nos aproximando da linha equinoccial, que passamos bem difficilmente, coisa ja por nós esperada á vista da estação em que estavamos.

Soprou vento contrario por quinze dias causando-nos grandes sustos, e receios de que não apparecessem calmarias antes de passarmos a linha: graças a Deos, pouco a pouco, embora o vento contrario, tanto bordo demos, que quando mal pensamos, estavamos no hemispherio do meio dia.

Passando a linha, avistamos e afinal chegamos a uma pequena ilha chamada Fernando de la Roque,[NCH 113] situada a quatro graus de altura para o meio dia, e a cinco para seis legoas de circumferencia, ilha bella e agradavel, cujas propriedades, querendo Deos, havemos de descrever na primeira opportunidade: é na verdade um verdadeiro paraisosinho terreste.

Saltamos n’esta ilha, onde apenas achamos 17 ou 18 indios selvagens, em companhia de um portuguez, todos escravos e ahi postos por determinação da gente de Pernambuco: d’estes indios baptisamos cinco.

Depois de havermos plantado a Cruz n’esta ilha, no centro de uma capella, feita por nós para celebração da santa missa, e de abençoado o logar onde residimos por 15 dias, casamos dois destes selvagens, um indio com uma india, depois de baptisados.

Não quizemos baptisar o resto aqui, porem achamos bom addiar o baptismo até chegarmos ao lugar do nosso destino, si bem que libertassemos todos esses selvagens tirando-os do captiveiro, e fazendo-os livres com muita satisfação d’elles,