A Vida de S. Maria Egypcia[1] é um dos mais notaveis monumentos litterarios relativos ao monachismo da Pa­lestina;[2] não só tem grande interesse historico por ser um quadro fiel das instituições monasticas d’aquelle paiz no século VI, mas ainda é de subido valor esthetico, por­ que o seu plano geral foi disposto com singular artificio e acabado com perfeição, e emfim no seu estudo encontram-se algumas questões litterarias, cujo exame é muito instructivo. Mas o principal valor d’esta hagiographia resulta, de que nella se pretende demonstrar um alto principio de moral. Com effeito, o conceito fundamental d’esta hagio­graphia, e que nella se exemplifica, é a possibilidade da regeneração da mulher, que, tendo perdido inteiramente o pudor proprio do sexo, desceu pelo caminho do vicio da luxuria até á mais profunda degradação. Os meios pos­tos em pratica para anniquilar os apetites sensuaes e pu­rificar os sentimentos, que foram a abstinencia dos alimen­tos, a privação dos confortos do vestido e da habitação, e a renunciação do convivio social, eram conformes com as ideias predominantes no paiz e na epocha, em que se suppõe, que ella viveu.

Os successos da vida de S. Maria Egypcia resumem-se assim. Maria era natural do Egvpto; e quando tinha apenas a edade de doze annos abandonou seu pae e sua


  1. Ainda que nos hagiologios, compostos em português, esta santa é designada com o nome de Maria Egypciaca, do latim Maria Aegyptiaca, na antiga versão portuguesa da sua Vida, feita no seculo XIV, e em uma paraphrase em verso, composta no seculo XVII, ella é cha­mada Maria Egypcia.
  2. Acerca da Vida de S. Maria Egypcia veja-se: Daniel Papebroch, De S. Maria Aegyptiaca et S. Zosima, nas Acta Sanctorum, Apr. t. I, Antuerpiae, 1675, p. 67 a 76; Knust, Geschichte der Legenden der h. Katharina von Alexandrien und der h. Maria Aegyptiaca, Halle, 1890, p. 193 a 228; Amélineau, Contes et romans de l’Égypte chrétienne, Paris, 1888, t. I, p. LXXI e LXXIII; Delmas, Remarques sur la Vie de Sainte Marie l’Égyptienne, nos Echos d’Orient, t. IV, 1900, p. 35 a 42; Analecta Bollandiana, t. XX, 1902, p. 101.