VII

homem tem realisado, pode ainda ser excedido pela mu­lher[1], e para exaltar o poder da graça divina, que a uma cortezã, que tinha percorrido desordenadamente toda a carreira do vicio, concedeu o arrependimento e santificou pela penitencia.

A Vida de S. Maria Egypcia não é todavia uma obra inteiramente original, o seu plano e alguns dos seus episodios foram imitados da Vida de S. Paulo de Thebas, primeiro eremita[2]; e assim como nesta hagiographia se teve por fim fazer conhecida a santidade de Paulo e de Antonio, fundadores do monachismo do Egypto, naquella celebra-se o arrependimento e a penitencia de Maria Egypcia e a perfeição de Zosimas, os quaes, posto que não foram os fundadores do monachismo da Palestina, erão apresentados como modelos, aos que escolhiam aquelle modo de existencia. Comtudo é provavel que a Vida de S. Maria Egypcia não seja completamente obra de phantasia; antes é possivel que tenha existido uma historia tradicional, fundada em factos veridicos, de uma grande pecadora, que foi para o deserto procurar pela penitencia a remissão das suas culpas[3]. Mas se os factos referidos na Vida de S. Maria Egypcia não tiveram realidade, e se nem existiram os principaes personagens d’esta historia, o quadro da vida monastica, cenobatica e eremitica, traçado nesta hagiographia, é muito veridico e conforme com o que se sabe por outros documentos.

A Vida de S. Maria Egypcia foi originariamente composta em grego; do seu texto existem copias em numerosos manuscriptos das grandes bibliothecas da Europa[4],


  1. Knust, Geschichte der Legenden der h. Katharina von Alexandrien und der h. Maria Aegyptiaca, Halle, 1890, p. 193.
  2. Delmas, Remarques sur la Vie de Sainte Marie l’Égyptienne, nos Echos d’Orient, 1900, p. 39; Analecta Bollandiana, t. XXI, 1902, p. 101.
  3. Na Vida de S. Cyriaco, escripta pelo seu discípulo Cyrillo de Scythopolis, que viveu no seculo VI, conta-se que uma certa Maria, cantora, psaltria, da egreja da Resurreição, em Jerusalem, foi causa de grandes peccados; mas que, ferida do temor de Deus, saiu de noite da cidade, e foi para um ermo, onde viveu só, durante dezoito annos, até que falleceu. (Acta Sanctorum, Set. VIII, Vita, p 147 a 159, § 17 a 19). Alguns escriptores pretenderam identificar esta Maria com a Maria Egypcia. Knust, op. cit., p. 224 a 226; Delmas, op. cit., p. 39 a 42).
  4. Na Bibliotheca Nacional de Paris ha copias em 37 manuscriptos, e na do Vaticano em 24. Vejam-se os catalogos hagiographicos publi­cados pela Société des Bollandistes.