Vidas Seccas
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tinha muita coisa no miolo. Nas situações difficeis encontrava sahida. Então! Descobrir que as arribações matavam o gado! E matavam. Aquella hora o mulungu do bebedouro, sem folhas e sem flores, uma garrancharia pelada, enfeitava-se de pennas.

Desejou ver aquillo de perto, levantou-se, botou o aiol a tiracollo, foi buscar o chapeo de couro e a espingarda de pederneira. Desceu o copiar, atravessou o pateo, avizinhou-se da ladeira pensando na cachorra Baleia. Coitadinha. Tinham-lhe apparecido aquellas coisas horriveis na boca, o pêlo cahira, e elle precisara matal-a. Teria procedido bem? Nunca havia reflectido nisso. A cachorra estava doente. Podia consentir que ella mordesse os meninos? Podia consentir? Loucura expor as crianças á hydrophobia. Pobre da Baleia. Sacudiu a cabeça para afastal-a do espirito. Era o diabo daquella espingarda que lhe trazia a imagem da cadellinha. A espingarda, sem duvida. Virou o rosto defronte das pedras do fim do pateo, onde Baleia apparecera fria, inteiriçada, com os olhos comidos pelos urubus.

12 — VIDAS SECAS