Lili
I

Foi por uma tarde de Agosto.

Ao longe ouvia-se o crepitar dos mattagaes, expostos á lentidão consumidora do fogo, durante o mez abafadiço das queimadas.

O ar opaco pela fumarada dava á natureza um accento de triste poesia.

De vez em quando, cortavam o silencio as pancadas sonoras e plangentes do campanario.

Uma ternura exquisita invadia tudo, imprimindo dó ao desconhecido.

Que era ?

Porque se derramava, sobre os semblantes expressivos e francos da rude gente aldeã, tamanha tristeza ?

A causa era immensa: morrera Lili, o anjo dos pobres camponios.

Extinguira-se Lili — a bella creança innocente e caridosa !

E quem pelos arredores da pequena aldeia de Crissiúma, pudera ignorar a bondade da menina que depunha a vida na sacóla do mendigo, o consulo no coração do afflicto, o balsamo na chaga do enfermo baldo de meios para fazer face ao mal?!

Lili era mais que o Anjo da Bondade, era a providencia d'aquelles campos.

Por isso a choravam com a dôr simples e eloquente de rusticos !

II

Foi por uma tarde de Agosto.

A despontar na cortina intermina e azulada do horizonte, apparecia, de manso, o plenilunio, envolto num véu de alvacentos desmaios e pela terra lançando seus pallidos refulgores.

Ouvia-se o repigue estridente e ininterrupto do campanario...

O cortejo funebre do sahimento de Lili se extendia comprido, em duas alas, pela rua direita e aceiada da aldeia.

O feretro em que ia o corpo da santinha, rescendia os perfumes de virgem, engrinaldada de jasmins e flores de laranjeira.

A extensa fila de aldeãos ja chegára ao afastado cemiterio de muros altos e caiados, e ainda se ouvia distante a voz aguda e dolente das donzellas, que carregavam o caixão, entoando os singellos hymnos de adeuses áquelles pelos quaes passou o sopro do eterno descanço.

Instantes de amargura muda !

Chegavam os coveiros e era preciso deixar que atirassem ao fundo do tumulo o sympathico cadaver de Lili, que parecia sorrir num ultimo acenar de despedida...

III

Foi por uma tarde de Agosto.

Branda ouressa corria pelo cemiterio, açoutando a coma verdejante dos cyprestes e dos chorões.

O campo santo regorgitava de gente, como se fosse dia de Finados, na modesta povoação de Crissiúuma.

Decorrera um anno depois da subida de Lili para o céu.

As lagrimas molhavam todos aquelles rostos tostados dos bons camponezes, que se perdiam em, um recolhimento sublime de dôr.

As companheiras da bemdicta menina incensavam com o trescalar das violetas, o humilde sepulchro, em que descançavam os seus restos, lastimando mais uma vez, por entre soluços afogantes, aquella perda irreparavel.

Cada um d'aguelles piedosos romeiros procurava, por meio da oração, entreter-se com a linda bemfeitora, que fôra seu idolo na terra.

Aqui uma supplica, alli uma promessa, acolá um rogo.

E atravez do santo ciciar das preces dos peregrinos, distinguia-se um nome repetido, a cada rorejar quente das perolas divinaes do pranto: — Lili!

Julho de 1892.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.