Artur tinha oito anos e sua irmã Josefa cinco.
Artur começou a ir á escola e a estudar as lições com afinco. Josefa tambêm queria ir, mas o médico não deixava porque ela era muito fraquinha e estava quasi sempre doente.
O irmão dava-se ares de sábio e Josefa ficava de- solada de o não entender.
Então, nos dias em que o primo Sebastião ia lá jantar, o desespero da pequerrucha subia de ponto.
Êles, de propósito para a fazerem arreliar, procuravam falar de forma que ela os não entendesse.
Assim arranjaram um modo especial de se exprimirem. Querendo dizer, por exemplo, «tu és tolo», diziam: «mereces um adjectivo forte.»
Josefa, raivosa de os não entender, dirigiu-se chorando para o quarto da mãe, e sentou-se no chão a um canto. A senhora D. Gertrudes lia a receita dum dôce que queria mandar fazer para o jantar e não reparou na filha. Ela então, vendo que o seu desgôsto passava despercebido, murmurou timidamente:
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― ¿O' mamã, o que é adjectivo?
E' o nome duma qualidade ou defeito que se atribue a qualquer pessoa ou coisa. Por exemplo: a Josefa é bôa, o vestido é feio, o Sebastião é mau. ¿Percebêste?
― Percebi. ¿E o que é um adjectivo forte?
A mãe olhou-a admirada e perguntou:
― ¿Onde ouviste dizer isso?
― Dizia o mano ao Sebastião: tu mereces um adjectivo forte.
D. Gertrudes sorriu e explicou:
― Queria dizer que seria bem feito chamar-lhe estúpido, ou bruto, ou preguiçoso. Adjectivos fortes não ha: tanto podia chamar-lhe fortes, como fracos ou desagradaveis: depende tudo da intenção que se der á palavra.
Josefa, com os olhos muito abertos, escutou com funda atenção as palavras da mãe e, enxugando os olhos, foi, satisfeita, juntar-se ás brincadeiras do primo e do irmão.
Eles tinham um carrinho de madeira com varais para uma pessoa puxar. Josefa propôs-lhes:
― Eu vou passear no carro e vocês puxam-me.
― Não, disse Artur, eu não sou cavalo.
― ¿E se eu te desse dois centavos?
― Nem que me desses cincoenta !
― ¡Sempre és muito orgulhoso!
Por dinheiro não puxo; mas se me deres o teu cãozinho branco...
― Pois sim, mas has de dar quatro voltas á roda do jardim.
― Eu sou o cocheiro, propôs Sebastião. Josefa subiu para o carro e Artur partiu a toda a brida, enquanto Sebastião, ao lado, fingindo galopar nas próprias pernas, dava estalos no ar com o chicote.
Terminadas as quatro voltas, Josefa apeou-se e foi a casa buscar o prêço das corridas.
Um instante depois, voltou, trazendo na mão um cromo representando um cãozinho branco.
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― Não foi isso o que eu ajustei: é o cão com pêlo que te deu a avó.
Josefa ria-se em silêncio.
O irmão, fulo de raiva, gritou:
― Vais ou não vais buscar-me o cão?
Ela respondeu brandamente:
― Esse cão é branco e é meu. Foi nêle que eu pensei, quando me pediste o prêço das corridas: não te julgava capaz de quereres merecer um adjectivo forte.
― ¡Um adjectivo forte! disse Artur, contente de a poder arreliar. Tu atiras com as palavras como se fôssem pedras! ¡Sabes lá o que é um adjectivo!
― Sei que nem só tolo, parvo, bruto, belo, etc., são adjectivos. Cubiçoso tambem o é, e ser cubiçoso é muito feio.
E voltou-lhes as costas, deixando-os espantados com o seu saber.
― ¿Quem lhe explicaria o que é adjectivo? per- guntou Artur ao primo.
― Foi decerto a tia, ¿pois quem havia de ser?
― Vamos perguntar-lho.
E correram a ter com D. Gertrudes; mas esta, muito preocupada com o seu dôce, disse-lhes com mau umor:
― Deixem-me, que este trabalho requer toda a atenção... deixem-me.
― A tia não foi! exclamou Sebastião convencido.
E, chamando a prima, pediu-lhe amavelmente:
― Dize-me cá, Zèfinha, ¿quem te ensinou o que era adjectivo?
― Vocês.
― ¡¿Nós?! exclamou Artur admirado.
E, com a firme certeza de lhe não terem explica- do cousa alguma, ajuntou:
― Nós, não. ― Pois, meu caro menino, respondeu-lhe Josefa, quando não quizer que os outros saibam uma cousa, não lhes faça curiosidade com ela. Garanto-lhe que sei o que é adjectivo e que nunca mais o esquecerei.
E ajuntou trocista :
― Esta sciência devo-a apenas a vocês quererem fazer segrêdo de mim, o que não é nem bom nem bonito.
― Ela tem razão, concordou o primo. Nós tam- bêm não haviamos de gostar que ela nos fizesse o mesmo.
― ¡Ora aí está! disse Josefa satisfeita. Vou dar-te o meu cão branco, para mostrar ao Artur que não sou egoista. A êle não lh'o dei, porque, alêm de me vexar constantemente com o que sabe, quis especular comigo, aproveitando-se da vontade que eu tinha de passear. Tu não te rebaixaste a ser cavalo, mas tens melhor coração.
Artur achou tanta razão a sua irmã que nunca mais a vexou com o seu saber. Mas, quando mais tarde ela lutava com o estudo da gramática a que tinha horror, êle dizia-lhe gabando-se:
― Anda lá, anda, que me deves o saberes o adjecti- vo. Se não fosse eu, quando te chamassem estúpida ou formosa, ainda hoje ignoravas o que era um adjectivo qualificativo. ¡E dizes que eu sou mau! ¡E o Sebastião é que teve o cão branco! ¡O mundo é cheio de ingratos!