O comendador B... apenas em conhecido de nome na sua província; não tinha parentes e nem estava em circunstâncias de ter amigos.

Desgostoso com a sociedade, foi isolar-se num dos menos freqüentados arrabaldes da capital, e ali vivia ocupando uma modesta casa térrea, ele, sua filha e um doméstico.

Granjeou a clínica do bairro, e dela tirava os meios para a sua subsistência. As muitas horas vagas que lhe ficavam do dia empregava na educação de sua filha, que ali não podia ter outro mentor nem outras horas de mais doces entretenimentos.

Emília, para seu pai, era naquela solidão como um livro mágico; suas palavras faziam-lhe esquecer todas as amargas reminiscências do passado.

À noitinha, sentados, pai e filha, à porta de sua habitação, Emília repetia a seu pai as lições que lhe tinha ouvido, desenvolvia todo o seu espírito, falando de Deus, da religião, da natureza, dos astros, de tudo, enfim, que é grande e sublime. Seu pai embebia-se todo naquele talento em flor, desabrochando aos seus desvelos.

Freqüentava a casa do comendador um moço com quem aquele travara conhecimento uma vez em que teve de tratá-lo de grave moléstia.

Paulo chamava-se ele, vivia na companhia de sua velha mãe e de uma galante irmã de 20 anos de idade! Quando deixava as aulas preparatórias, seu pai, que então habitava no centro da capital, resolveu fazê-lo matricular-se no primeiro ano de direito, na academia de Olinda, mas foi acometido de gravíssima enfermidade e obrigado a mudar de resolução.

O pai de Paulo, grande gênio na arte de Correggio, vivia dos trabalhos de sua profissão e era agora forçado a deixar os pincéis.

O velho pintor dispunha de poucos meios, e privado de trabalhar teve de diminuir as suas despesas, principiando pelo aluguel da casa.

Saiu do centro da capital e foi acabar os seus dias numa pequena casa, sita no bairro em que mais tarde veio habitar o comendador B...

Apesar de enfermo, o velho pintor lá uma vez ou outra tomava os pincéis, chamava o filho, punha-o a seu lado e iniciava-o pouco a ponto na sua arte.

— Aproveita - dizia-lhe -, aproveita, meu filho, estas lições; Deus não quis que eu com o meu trabalho te acabasse de educar; precisas, entretanto, de um meio de vida para o futuro que aí vem perto e tua mãe e irmã precisam de ti; aproveita, pois, estas lições que, no último caso, te servirão para alguma coisa.

E Paulo ouvia religiosamente o conselho de seu pai, e ia aprendendo cheio de fé e dedicação.

Alguns meses depois o velho tomava a seu filho:

— Ainda bem, ainda bem, meu Paulo que tu aproveitaste as lições que te dei, e que do ponto em que te deixo já não precisas de mestre. Morro resignado porque te vejo servindo de arrimo a estas duas criaturas; e indigitava sua mulher e filha.

Poucos dias depois o velho pintor morria.