“O Senhor pronunciou, então, todas estas palavras: “Eu sou o Senhor, teu Deus, o que te fez sair do Egito, de uma casa de escravidão. Não terás outro Deus além de Mim. Não farás para ti imagens esculpidas, nem qualquer imagem do que existe no alto dos céus, ou do que existe em baixo, na terra, ou do que existe nas águas, por debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto, porque Eu, o Senhor, teu Deus, sou um Deus cioso que pune a iniquidade dos pais nos filhos, até à terceira e à quarta geração daqueles que me ofendem, e uso de misericórdia até à milésima geração para com os que Me amam e cumprem os Meus Mandamentos”. Eis, a seguir, os dez mandamentos resumidos:
- 1° Eu sou o Senhor, teu Deus. Não terás outro deus além de mim. Não farás ídolos.
- 2º Não tomarás em vão o nome do Senhor, teu Deus.
- 3º Lembra-te do dia de sábado para santificá-lo.
- 4º Honra teu pai e tua mãe.
- 5° Não mentirás.
- 6° Não cometrás adultério.
- 7º Não furtarás.
- 8° Não darás falso testemunho contra teu próximo.
- 9° Não cobiçaras a mulher do teu próximo.
- 10° Não cobiçarás a casa e outros bens do teu próximo.
Os primeiros três mandamentos podem ser agrupados num único item, pois visam estabelecer relações entre o homem e Deus, enquanto os outros sete estipulam as normas de vida dos homens entre si. A referência ao Egito, onde os hebreus haviam servido como escravos, deixa claro que Moisés queria mudar o tipo de religiosidade que fazia do Faraó um deus, ao qual eram dedicadas estátuas e templos com o fim de reforçar seu poder. O legislador hebraico parece não aceitar o sistema teocrático, que juntava o poder político e religioso numa única pessoa, nem os costumes politeístas, praticados no Oriente Médio, na sua época. Por isso, reuniu tribos aparentadas entre si, dando-lhes unidade política e religiosa.
O grande mérito de Moisés foi a organização da nação israelita a partir do culto atávico de tribos do Sinai ao deus Javé. O nome de YHWH,“Javé” (Yaveh ou Jeová são apenas variantes), conforme atestam estudos recentes, já era conhecido na Babilônia, a partir do ano 2.000, portanto, muito antes de Moisés, anterior até à época do patriarca Abraão. Este nome era tão sagrado que não devia ser pronunciado, sendo substituído pela palavra “Adonai” (Senhor). É lícito supor que Moisés não foi escolhido, mas foi ele a escolher essa divindade para conferir um padrão ético ao povo judaico. Na verdade, Moisés pregou uma monolatria e não um monoteísmo. Ele não negou a existência de outros deuses, mas ordenou que o culto externo fosse prestado somente ao deus do patriarca Abraão. A idéia do monoteísmo, a existência de um deus único, irá tomar consistência mais tarde, na época dos Profetas.
A proibição da adoração de imagens pintadas ou esculpidas visava evitar o politeísmo, muito comum na época, quando os deuses eram representados por ídolos, para que o povo pudesse adorá-los. Entende-se que os antigos hebreus, como outros povos daquela época, não tinham evolução espiritual suficiente para adorarem um Deus invisível. Mas o segundo mandamento criou controvérsias que persistem até hoje. Em primeiro lugar, esta passagem entra em contradição com outros trechos da Bíblia, onde Jeová ordena que se façam imagens. Se o próprio Moisés afirma que Jeová fez o homem a sua imagem e semelhança, ele admite certa configuração da divindade. De outro lado, esse preceito bíblico poderia valer apenas para o Velho Testamento, pois o Novo relata a vinda do Filho de Deus, Jesus Cristo, encarnado numa figura humana e adorado na forma de Crucifixo. Sem falar do culto que os cristãos prestam às imagens da Virgem Maria e de todos os Santos da Igreja Católica. Seria, então, uma nova forma de politeísmo? E como admitir que um mandamento tenha vigor apenas num tempo e num lugar se, para ser considerado divino, um preceito deve ter os requisitos básicos da imparcialidade, universalidade e atemporalidade?
A falta de qualquer uma das características apontadas acima nos leva a deduzir que a lei não provém de Deus, mas do homem que faz uso do Seu nome para impor a sua vontade. É o que faz Moisés servindo-se do nome de Jeová, não “em vão”, mas para legitimar suas Tábuas da Lei ao povo hebraico. Não nomear o nome de Deus em vão não implica apenas na condenação da blasfêmia (ofensa a Deus pela palavra), do sacrilégio (por atos) ou de qualquer outro tipo de insulto à religião ou de ultraje a fé numa divindade, mas também na utilização do nome de Deus para impor ideologias ou conseguir bens materiais. Isso vale especialmente para igrejas ou seitas religiosas que se servem do nome de Deus para explorar a boa fé de seus seguidores, prometendo recompensas materiais ou espirituais em troca do pagamento de dízimos ou da exigência de doações.
Também o 3° mandamento, que ordena santificar o sábado, deve ser entendido não como um preceito divino, mas uma necessidade fisiológica de qualquer ser vivo: o direito ao repouso, ao descanso, para recuperar as energias gastas durante vários dias de trabalho, evitando-se assim o esgotamento físico e mental. O dia de sábado ainda continua sendo considerado sagrado pelos judeus, enquanto os cristãos passaram a respeitar o domingo (do latim dominus = Senhor) como dia do Senhor, acrescentando outros dias festivos. A necessidade do descanso semanal é apenas uma característica humana impropriamente atribuída à divindade. Aliás, tudo o que está escrito no Gênesis sobre os trabalhos de Jeová na criação do mundo em seis dias é pura fantasia de Moisés ou de outro escrivão que redigiu o livro pressupostamente sagrado. Deus que, por definição, é onividente, infalível e eterno, estando, portanto, acima do tempo, não poderia afirmar coisas que seriam posteriormente desmentidas pela ciência humana, como demonstra a teoria da evolução, da qual falarei um pouco num próximo capítulo.
O 4º mandamento ordena honrar o pai e a mãe. Mais do que uma ordem divina, trata-se de uma exigência natural. Os pais nos dão vida, assistência, educação, amor. Se eles cumprirem o dever do exercício da paternidade, terão o direito de exigirem gratidão, respeito, afeto. Enfim, trata-se de uma reciprocidade, com base no princípio da relatividade: o pai não nasce antes do filho, pois ele adquire o status da paternidade no mesmo instante em que o filho vem à luz. Portanto, o 4º mandamento deveria ser complementado pela obrigação dos pais honrarem seus filhos, também. Infelizmente, o Velho Testamento é essencialmente patriarcalista, como a maioria das sociedades primitivas ou pouco desenvolvidas. O patriarca bíblico, como o pater famílias da Roma antiga, o capo di tutti i capi da máfia siciliana ou o chefe de famílias judaicas e muçulmanas, parece ter poder absoluta sobre os filhos, exigindo uma obediência cega, até na escolha da profissão ou de um parceiro para o matrimônio. Que dizer, então, da irresponsabilidade de pais e de mães que põem crianças no mundo sem terem condições materiais e espirituais para sua criação e educação. Há mães que abandonam crianças recém nascidas e pais que estupram ou prostituem as próprias filhas. A tais progenitores os filhos devem respeito? Se se faltar ao dever, como exigir direitos?
Os restantes seis mandamentos podem ser reduzidos a um só, ao 7º: Não Roubar, que implica o amor ao próximo. Com efeito, “não matar”, quer dizer, respeitar a vida do seu semelhante; “não cometer adultério” equivale a não desonrar a mulher do outro; “não dizer falso testemunho” é não faltar com a verdade, prejudicando um seu semelhante; e o último mandamento, bem abrangente, proíbe a cobiça de qualquer bem alheio. O preceito de não roubar, portanto, pode ser considerado o mandamento maior, que deveria sustentar a nossa vida social. Quem for educado a não roubar respeitará qualquer bem que não lhe pertença, seja privado ou público. A honestidade é o requisito básico para a construção de uma verdadeira cidadania. Já pensou se os políticos não roubassem tanto, se não houvesse corrupção e impunidade? Seria o Eldorado, o paraíso sonhado neste mundo!