Pensar é preciso/III/Os Profetas: do Êxodo à última Diáspora
Como temos visto anteriormente, seguindo o relato bíblico, Moisés, pelo Pacto da Aliança feito com o Senhor, teria tido a incumbência de construir uma unidade nacional. Para isso, libertou os judeus do jugo dos egípcios e, após quarenta anos de peregrinação no deserto ao redor do monte Sinai, acabou levando as doze unidades tribais para a região de Canaã (atual Palestina), a Terra Prometida. Conforme está escrito nos dois Livros de Samuel, redigidos bem mais tarde, ao redor do séc. VII a.C., Samuel, sucessor de Moisés, é o último dos Profetas-Juízes, pois seu sucessor, Saul, abdicou da judicatura em favor da realeza, tornando-se o primeiro Rei de Israel.
Mas a Monarquia se consolidou realmente com seu sucessor, Davi (1010-970), considerado o verdadeiro fundador do Estado hebreu. Ele venceu filisteus, amonitas, arameus e edomitas, construindo um relevante império judaico e escolhendo a cidade de Jerusalém como capital, ao redor do ano 1000. Seu filho e sucessor Salomão (970-931) foi famoso pela construção de um templo maravilhoso e pela sua sabedoria. Recentes escavações num sítio de mineração na Jordânia confirmam a existência das lendárias “minas do Rei Salomão”, provavelmente no primeiro milênio a.C.
Mas Salomão, pelo seu pendor para a magnificência e a idolatria, levou os hebreus à decadência moral e à cisão política. Após sua morte, as doze tribos se separaram em dois reinos. O de Israel, ao Norte, de 931 a 721, com capital em Sumária, teve 19 reis e 5 dinastias e acabou sucumbindo sob os golpes do império assírio. Outro reino, o de Judá (nome de um filho de Israel) durou até à destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, em 587, quando a elite do povo judaico foi deportada para a Babilônia. O exílio durou até à ocupação da Babilônia pelo império persa. Um edito de Ciro o Grande, no ano de 538, permitiu a volta dos exilados hebreus para a Palestina. Em 517, foi construído o segundo Templo de Jeová em Jerusalém. Mas muitos israelitas preferiram permanecer na Babilônia, região culturalmente mais avançada, de onde deram uma importante contribuição para a divulgação da cultura hebraica.
Por sua vez, os exilados, que preferiram retornar para sua terra de origem, levaram consigo nove rolos de papiros que traçavam a história de seu povo desde a criação até a deportação: Gênesis, Êxodo, Levítico e outros livros de Juízes, Reis e Profetas, estabelecendo, assim, o esqueleto da Bíblia hebraica. Passava-se, gradativamente, da heterogenia da coleção de textos à formação da unidade da Escritura. A prova de que tal unidade foi um produto posterior é que não encontramos diálogos entre os vários Livros do Velho Testamento. Os Profetas, por exemplo, nunca fazem referências às Leis de Moisés.
A verdade é que, após o avanço das pesquisas arqueológicas, a partir da década de 1980, muitos estudiosos passaram a não acreditar mais em relatos e personagens bíblicos que não fossem corroborados por fontes externas aos textos considerados sagrados. A maioria chegou à conclusão de que os eventos mais antigos descritos no Velho Testamento são invenções humanas e não revelações divinas. Após uma transmissão oral de longas gerações, apenas a partir do séc. V a.C., os episódios bíblicos, até então esparsos, começaram a ser reunidos e redigidos na língua hebraica.
As vitórias de Alexandre Magno, filho de Felipe da Macedônia, puseram fim à dominação persa. Em 322, conquistou a cidade de Tiro e, sucessivamente, toda a Palestina, que, em 301, ficou sendo província do Egito e, em 198, passou a ser domínio da Antioquia. Em 142, pelo valor de Judas Macabeu, a Síria concedeu independência política aos judeus. Em 63, Pompeu ocupou Jerusalém e, em 37, Herodes foi nomeado governador romano. O fato capital que dominou todo este período foi a difusão do Helenismo no mundo oriental. Com Alexandre e seus sucessores, a civilização grega penetrou no Oriente Médio, até então pouco conhecida naquelas regiões. E o Judaísmo não logrou escapar desta influência. Tanto é que foram os judeus alexandrinos a realizar a tradução em grego do Antigo Testamento, dita dos Setenta (Septuaginta).
O povo hebreu (israelitas e judeus), inicialmente nômade, ao contato com tantas outras etnias mais desenvolvidas, aprendeu a agricultura, a técnica de construir residências, o culto de deuses diferentes. A Bíblia relata que, até à destruição do Templo de Jerusalém por Nabucodonosor, em 586, os hebreus praticavam o politeísmo, prestando culto não apenas a Jeová, um bom deus guerreiro, mas também às divindades da fertilidade dos antigos habitantes da Cananéia, quando desejavam uma boa colheita. Os principais deuses locais, anteriores à invasão dos hebreus, eram Baal e sua irmã-esposa Anat (ou Astarte), representados, respectivamente, por um touro e uma vaca. Em sua homenagem, os devotos praticavam o rito sexual coletivo para tornar os campos férteis.
A estas divindades, expressões do instinto sexual e da paixão amorosa, eram imolados até seres humanos. A luta entre diferentes credos e costumes era inevitável. O Livro dos Juízes narra episódios de guerras fratricidas, raptos de moças, sacrifícios cruentos. Na época dos Juízes e dos Reis, os hebreus foram atraídos pelos cultos idolátricos. E por isso vinham sendo continuamente admoestados pelos Profetas (Isaias, Jeremias, Daniel etc.). Oséias, no início do séc.VIII, foi o profeta que mais invectivou contra esta prática, pois sentiu na carne a dor da infidelidade: sua mulher, Gomer, servira como prostituta sagrada ao deus Baal.
Um culto mais civilizado, através de orações nas sinagogas, já começado durante o Exílio na Babilônia, somente foi oficializado depois que os romanos destruíram o segundo Templo de Jerusalém, em 70 d.C., quando acabaram definitivamente os ritos de sacrifícios cruentos sobre o altar. Mas já estamos na época da última diáspora, palavra grega que significa “dispersão”. Após a diáspora no Egito, na Assíria e na Babilônia, os judeus, revoltando-se contra o domínio romano, perdem sua independência e sua pátria. A partir daí, tornam-se cidadãos do mundo, criando focos de cultura hebraica em Atenas, Alexandria, Roma e, evidentemente, na Palestina.