Pensar é preciso/IX/As fases da libido

As fases da libido:

Sigmund Freud desenvolve sua teoria da motivação explicando que a força orientadora do comportamento está no inconsciente. Este é regido pelo instinto sexual, que visa a sobrevivência da espécie, como a alimentação está na base da conservação individual. Comida e sexo: eis os dois instintos fundamentais que regem a vida de qualquer ser vivo, aos quais tudo está subordinado. No ser humano, o desenvolvimento do Id se daria dos primeiros meses até o sexto ano de vida, passando por três estágios, de acordo com a área na qual a libido está mais concentrada:

1) a fase oral (hedonismo bucal), quando o prazer se localiza nos lábios que sugam o seio materno, a mamadeira, a chupeta, os dedos; 2) a fase da libido anal, quando o prazer reside na evacuação da comida ingerida, manifestado pelas brincadeiras de amassar objetos de barro ou lambuzar-se com comida cremosa; 3) a fase genital ou fálica, quando o desejo começa a se voltar para as partes do corpo que excitam os órgãos genitais. Nessa fase, para os meninos, a mãe é o objeto do desejo e do prazer; para as meninas, é o pai.

Tal comportamento humano os gregos expressaram pelos mitos de Édipo (que mata o pai e casa com a mãe Jocasta) e de Electra (que participa da morte da mãe para vingar o assassinato do pai Agamenão). Pelo complexo de Édipo, de um lado, o menino disputa com o pai as atenções da mãe; de outro lado, o pai vê no filho um futuro rival que irá substituí-lo no poder. Esta tendência humana subconsciente está evidente no mito de Urano (Céu) que detesta os filhos e os esconde ao nascerem. Para vingar-se, a mãe Terra ajuda o filho Saturno a cortar os testículos do pai. Das Divindades Primordiais dos gregos, passando pelas relações incestuosas narradas na Bíblia, chegamos à cultura moderna, onde a força do instinto ainda continua sendo motivo para estudo científico ou criação artística. A dramaturgia de Nelson Rodrigues está impregnada do complexo de Édipo: paixões incestuosas, estupros, prostituição, traições na própria família são os temas mais recorrentes, adaptados também para cinema e televisão, pois o povo gosta de ver representado seus desejos mais recônditos e inconfessáveis ao nível do Superego. O modo de desenvolvimento das três fases iniciais da vida humana tem reflexos no adolescente e no adulto, passando por processos psíquicos, como fixação (recalque), regressão, transferência, sublimação que, aos poucos, vão determinando o tipo de personalidade de cada um. A relação íntima, na primeira infância, entre os pais (ou as pessoas que assumam suas funções) e os filhos tem uma importância fundamental. A representação do “pai” e da “mãe” irá ecoar pela vida afora, determinando o tipo de comportamento do ser humano na família, na escola, no trabalho, na sociedade. De um modo geral, a atração que um menino sente pela mãe é superada pelo relacionamento afetivo com outras crianças e pelo sentimento erótico pela namorada e esposa. Mas há casos patológicos que devem ser investigados para descobrir a origem do trauma e providenciar a cura adequada pelo tratamento psicanalítico ou psiquiátrico.

Para a construção de seu modelo de análise psíquica, Freud recorre a mais dois mitos criados pelos gregos: Eros (Amor) e Tânatos (Morte). Tais personagens são símbolos de energias vitais, que ele chama de “pulsões”, as quais, embora opostas, estão sempre interagindo. Eros é a pulsão sexual com tendência a preservar e reproduzir a vida, enquanto Tânatos é a pulsão da morte que leva à segregação e à destruição. No caso da alimentação, por exemplo, o prazer da comida, que está em função da manutenção da vida, é seguido pela necessidade da digestão (destruição dos alimentos) e da defecação (expulsão dos resíduos). Vida e morte andam juntas, compondo o ciclo do início e do fim. Isso lembra a historinha shakespeariana do rei que come o peixe, que comeu o verme, que comera as fezes do rei.

É preciso salientar que Freud, embora tivesse dado importância fundamental à libido, ele não a reduz ao ato sexual, como também não acha que este tenha sempre como fim a conservação ou a reprodução. Ele explica que a criança, ao chupar o dedo, não está obedecendo à necessidade de alimentação, mas apenas ao prazer do contato com seu corpo. Há uma grande variedade de objetos que podem ser uma fonte de prazer, sem chegar à consumação do ato sexual, nem ter outra finalidade a não ser o gozo. É a aceitação do prazer em si, apenas enquanto prazer. É neste ponto que Freud realiza sua revolução, contestando uma moral religiosa milenária, que só permite a prática do sexo dentro do casamento e para fim procriativo. Ele verifica que as tendências sexuais reprimidas são a principal causa dos distúrbios psíquicos. Ai vai uma pergunta que enseja outras: Por que os psicanalistas, em lugar de tratar apenas dos pacientes, não encabeçam uma campanha contínua e esclarecedora para lutar contra a repressão sexual e salientar o papel fundamental da afetividade na primeira infância? Não seria melhor prevenir do que remediar? Por que todas as religiões, sistematicamente, condenam o prazer sexual, se ele está na origem da vida? Por que ir contra a natureza que, por suposto, foi criada por Deus e na forma que aí está? Por que não acabar com a hipocrisia de considerar lícito apenas o sexo “abençoado” pelo matrimônio, visto como uma “compensação” do ônus de criar filhos?

Se fosse assim, por um princípio de coerência, por que não considerar pecaminosa também a relação sexual com mulher grávida, estéril ou de idade avançada? Por acaso, o homem deve imitar os animais que fazem sexo somente quando estão na época do cio? Por que, em lugar de proibir ou reprimir, não educar os fiéis para uma atividade sexual responsável, segura, prazerosa? E o Estado, que se quer laico, por que não atua junto às famílias e nas escolas para que as crianças tenham uma educação sexual sadia, tomando precauções, não contra o prazer, mas contra a precocidade da prática do sexo, a gravidez indesejada, as doenças venéreas?