Pensar é preciso/VI/Iluminismo, Enciclopédia, Democracia, fim da Escravidão

Iluminismo, Enciclopédia, fim da Escravidão, Democracia.


Descartes, Bacon, Galileu, Spinoza e outros filósofos e cientistas dos séculos XVI (Quinhentos) e XVII (Seiscentos) criaram a base teórica para a grande revolução política e social que aconteceu no século XVIII (Setecentos) na Europa e na América do Norte. Estamos na época do Iluminismo, Ilustração ou “Século das Luzes”, quando se publicou a grande Enciclopédia, o Estado se separou da Igreja, foi abolida a Escravidão, nasceram os regimes Constitucionais e a Democracia moderna, aconteceu a Revolução Francesa içando a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

O advento do Iluminismo foi preparado especialmente pelo Liberalismo, com base na teoria política de Locke e na prática do Presidente dos EUA, Thomas Jefferson (1743-1826). O pensador inglês John Locke (1632-1704), contestando a existência das idéias inatas admitidas por Descartes, professa um materialismo sensualista, pois o conhecimento só pode advir pelos sentidos, observando as leis da natureza. O desenvolvimento das ciências naturais e a reorganização da sociedade em bases estritamente racionais acabariam com todos os preconceitos religiosos. Mas os verdadeiros criadores do liberalismo político foram os economistas ingleses Adam Smith e John Stuart Mill. Apontamos as linhas-mestres da doutrina político-liberal:


a) o regime democrático e a independência dos três poderes;
b) o direito à propriedade e à liberdade de pensar e de agir;
c) o livre jogo da concorrência nas relações comerciais (lei da oferta e da procura);
d) a intervenção apenas reguladora do Estado para evitar abusos ou injustiças.


O fruto de tantas idéias inovadoras no campo da filosofia, da ciência e da política foi a elaboração da Enciclopédia (“Dicionário racional das ciências, das artes e das profissões”), que levou uma geração (de 1751 a 1766) para ser publicada, devido à ação repressora da censura eclesiástica. Colaboraram mais de 60 especialistas, sob a direção de Diderot e D’ Alembert, além dos três grandes escritores Montesquieu, Rousseau e Voltaire. Na medida em que cada volume era editado, o papa de Roma esperneava, emitindo repetidos atos condenatórios das doutrinas contidas na Enciclopédia. Mas ela começou a penetrar nos lares burgueses, criando-se até associações para discutir os assuntos contidos na majestosa obra. De modo semelhante ao que acontecera com a publicação da Origem das Espécies, a leitura da Enciclopédia foi substituindo a Bíblia Sagrada. Era o Humanismo tomando o lugar do Teologismo. A intenção era substituir a Religião pela Ciência e a Fé pela Razão.

O Iluminismo propunha um novo contrato social, abolindo qualquer forma de despotismo e pregando a igualdade de todos os homens perante a lei. De imediato, a conseqüência mais benéfica foi a abolição da escravidão: o Parlamento inglês, em 1807, proibiu o tráfico de escravos em todo o império britânico. É interessante notar que foi um governo laico a acabar com o instituto da escravidão, a maior vergonha do gênero humano, sempre tolerada pelos regimes religiosos. Até então a escravidão era considerada uma constante inerente à própria natureza humana, permitida por todas as teologias. A mão de obra escrava era utilizada para a construção de obras majestosa, com as Pirâmides, por exemplo. Os escravos, pois, constituíram a principal força motriz de civilizações.

Encontramos escravatura no Egito dos Faraós, no Velho Testamento, nas póleis gregas, no Império Romano. Era de se esperar que a chegada de Jesus Cristo, o doce apóstolo do amor, pusesse fim a tal execrável instituição, mas foi um ledo engano. O Cristianismo tolerou o sistema escravagista por mais de 18 séculos. Papa algum excomungou donos ou traficantes de seres humanos, como fazia com hereges, e menos ainda os condenou à morte na fogueira, como fez como a valente mocinha Joana D’ Arc. E a outra religião monoteísta, o Islamismo, não deixou por menos: a oitava sura do Corão manda fazer escravos todos os prisioneiros de guerra!

A vergonha maior está no tráfico de escravos pelos três continentes: da África para a América, com navios que partiam da Europa. Os negros escravizados não eram cativos de guerra, mas cidadãos livres, capturados a laço em seu próprio território por capatazes a serviço de comerciantes de escravos e colocados nos navios negreiros. Durante séculos houve um comércio triangular de seres humanos entre capitais européias, costas africanas e litorais americanos. E tal horrenda indústria teve a complacência de todas as igrejas.

No Brasil, esse comércio teve a mais longa duração, acrescida pela escravidão também de sua prole, os afro-descendentes. Milhares de jovens africanos eram presos e conduzidos até os navios. Lá eram batizados (ironia ou hipocrisia?) e marcados com ferro em brasa, como se faz com o gado. Ao chegar aos portos brasileiros, eram leiloados no mercado público e submetidos a trabalhos desumanos. Castro Alves, o poeta romântico baiano, pelo seu poema O Navio negreiro, denuncia a degradação humana a que eram submetidos os africanos durante a travessia oceânica. Apesar de uma lei brasileira de 1850, que proibia o tráfico de escravos, o vergonhoso comércio ainda continuava em 1868, quando foi publicado o poema. Vale a pena transcrever alguns versos:


Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão...
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...


Mais triste foi a destruição do sentimento de nacionalidade. Como precaução contra possíveis revoltas, logo que os capturados chegavam ao navio, os marinheiros eram instruídos a misturar as várias etnias africanas, formando grupos de línguas e costumes diferentes. Para se comunicarem entre si, todos eram obrigados a falar o português, a língua dos dominadores. Junto com a desagregação da pátria, havia também a disjunção familiar. Enquanto os trabalhadores dormiam em senzalas, que separavam os homens das mulheres, as escravas jovens e bonitas residiam na casa grande, servindo ao senhorio especialmente como objeto de prazer sexual.

A desculturação se estendia também a rituais, costumes, hábitos alimentares, chegando-se a uma miscigenação de usos entre as três raças: indígena, africana e européia. As conseqüências do regime escravagista são ainda hoje visíveis. O gosto brasileiro pela feijoada, por exemplo: a mistura do que restava nos pratos dos patrões era posto num tacho para saciar a fome dos escravos. Pior do que a herança de costumes é a da mentalidade social e econômica: o povo brasileiro, especialmente a maioria mais pobre, se acostumou a viver de esmolas do poder público ou privado, vendendo até seu voto em troca de favores, enquanto os políticos se locupletam com o dinheiro de seus impostos. Em lugar de clamar pela justiça, se contenta com a caridade!

Além da condenação da escravatura, ao Iluminismo devemos também o surgimento dos governos constitucionais e da democracia moderna. Também no campo político dá-se uma revolução comparável à de Bacon (teoria do conhecimento), Copérnico (sistema heliocêntrico), Darwin (teoria evolucionista). Chegou-se à convicção de que o poder não devia mais emanar de cima para baixo, mas no sentido inverso, da periferia para o centro. Quem devia estabelecer leis não era Deus ou o Rei, mas o povo que sustentava o Estado com seus impostos, através de representantes por ele escolhidos. Assim, o surgimento de uma burguesia abastada provocou a Revolução Francesa (1789), que derrubou o absolutismo monárquico, instituindo regimes constitucionais em várias nações da Europa e da América do Norte.

O movimento constitucionalista vinha de longe e não surgiu na França, mas na Inglaterra. A primeira Carta Magna foi inglesa e remonta a 1215, ainda na Idade Média, quando um grupo de nobres exigiu do rei João Sem Terra que consignasse por escrito os limites do poder da Monarquia, colocando a lei acima de tudo e de todos. Os princípios aí designados passaram a constituir a base da Revolução Puritana (1640) e Gloriosa (1688), quando iniciou o sistema bipartidarista e se afirmou a liberdade de imprensa. A visão newtoniana levou ao florescimento da ciência e o comércio marítimo deu início ao império britânico. A mesma filosofia de vida norteou a Revolução Americana que culminou na Declaração da Independência dos EUA (1776), proclamando o direito natural de todos os homens à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Os princípios democráticos se universalizaram quando, em dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.