Surgindo nòs ao outro dia pela menham no porto de Lailoo, o Quiay Panjão que Antonio de Faria leuaua por companheyro, que como ſe ja diſſe, era Chim de naçaõ, & tinha muytos parentes naquella terra, & era nella muyto conhecido & validocom todos, pedio ao Mandarim, que era Capitão do lugar, que por noſſo dinheyro nos deſſe o q̃ ouueſſemos myſter, o que lhe elle concedeo, aſsi pelo receyo que teue de lhe poderẽ fazer algum dano, como por hũa peita de mil cruzados que Antonio de Faria lhe deu por iſſo, com que ficou ſatisfeito. E deſembarcando algũs dos noſſos em terra, compraraõ logo com muyta preſſa todas as couſas de que tinhaõ neceſsidade, como foy ſalitre, & enxofre para poluora, chumbo, pilouros, mantimentos, amarras, azeite, breu, eſtopa, madeyra, taboado, armas, zargunchos, paos toſtados, vergas, paueſes, entenas, calhao, polliame, driças, & ancoras, fizeraõ agoada, & ſe proueraõ de eſquipação de gente do mar, porque ainda que eſte lugar não era de mais que de trezentos atè quatrocentos vezinhos, auia tanto diſto nelle, & pelas aldeas ao redor, que em verdade affirmo que quaſi faltão palauras para o encarecer, porque eſta excellencia tem a terra da China ſobre todas as outras, ſer mais abaſtada de tudo o que ſe pode deſejar, que todas quantas ha no mundo. E como Antonio de Faria era muyto largo de condiçaõ, & deſpendiado mõte mayor, pagaua eſtas couſas tanto á vontade dos que lhas vendião, que iſſo couſaua virlhe tudo aos montes, de modo que em treze dias ſahio deſte porto com dous juncos nouos muyto grandes & alteroſos que ſe cõpraraõ a troco dos pequenos que leuaua, & duas lãteaas de remo lançadas do eſtaleyro, & cẽto & ſeſſenta marinheyros, aſsi para chuzma, como para marearem as vellas. Feito eſte apercebimento de todas as couſas neceſſarias, & poſtos
mais fiel & ſegura, com ſos dous dos que ſe tomaraõ, porq̃ os mais ficaraõ em refẽs, & mandaraõ nelle hũ ſoldado por nome Vicente Moroſa homem esforçado & muyto ſeſudo, em trajos de Chim por não ſer conhecido, o qual chegando ao lugar onde os inimigos eſtauão, fingindo q̃ andaua peſcando como outros fazião, vio & eſpiou tudo quanto era neceſſario, & tornado a bordo deu relaçaõ do que vira, & affirmou que o inimigo eſtaua tão tomado às mãos, que em chegando aueria pouco que fazer nelle. Com eſta informaçaõ ſe ajuntaraõ todos no junco de Quiay Panjaõ, onde Antonio de Faria, pelo animar & fauorecer, & por lhe dar aquella honra, quiz que foſſe eſte couſelho, & nelle ſe aſſentou que tanto que foſſe noite foſſemos ſurgir na boca do rio, paraque ante menhã, co nome de Chriſto, deſſemos nos inimigos; & concluydos todos neſte parecer, proueo Antonio de Faria na ordem & maneyra que ſe auia de ter na entrada do rio, & no cometer os inimigos, & repartindo a gente, pós no junco de Quiay Panjão trinta Portugueſes quais elle quiz, porque em tudo lhe fazia a vontade, por ſer aſsi neceſſario, & nas duas lanteaas pós ſeis em cada hũa, & no jũco de Chriſtouão Borralho vinte, & com elle ficaraõ os mais que eraõ trinta & tres, a fora os eſcrauos & outra muyta gẽte Chriſtam valentes homẽs, & muyto fieis, & aſsi concertados na ordem neceſſaria para o que ſe eſperaua fazer com a ajuda de noſſo Senhor, deu a vella para o rio de Tinlau, onde chegou quaſi às Aue Marias, & paſſando a noite com boa vigia, tanto q̃ foraõ as tres horas deſpois de meya noite ſe fez â vella, & foy demandar o inimigo que eſtaua daly pouco mais de meya legoa pelo rio acima.