4a Etapa: “Para quem fazer?” – Redação final
Roman Jakobson, em seus conhecidos estudos sobre os fatores da comunicação, destaca a importância da tríade: emissor-mensagem-receptor. Qualquer relacionamento inter-humano, quer oral quer escrito, pressupõe a existência de alguém que sabe (o emissor) e está disposto a comunicar o objeto de seu conhecimento (a mensagem) à outra pessoa (o receptor). Entre esses três elementos, deve existir sintonia, caso contrário entra ruído na comunicação e a operação de transmissão do saber fica prejudicada. Quer dizer, o emissor deve saber adaptar o conteúdo e a forma da mensagem à natureza do destinatário. Seria simplesmente ineficiente, para não dizer insensato, falar de assuntos filosóficos para uma criança de 5 anos.
Da mesma forma, o investigador, no ato de colocar no papel o resultado de sua pesquisa, deve ter em mente o destinatário de seu trabalho intelectual. Como veremos em outro capítulo, existem vários tipos de trabalhos científicos, cada qual com diferentes destinatários. A linguagem a ser usada para apresentar uma comunicação num congresso científico, por exemplo, não será a mesma da utilizada para escrever um livro didático destinado aos alunos do primeiro grau. Portanto, adaptar o plano da expressão e o plano do conteúdo do texto crítico ao nível cultural do público que se quer atingir é o princípio fundamental para o sucesso da pesquisa. Mas, independentemente desse fator, a redação de um trabalho intelectual tem normas e características gerais que devem ser observadas, não importe o tamanho ou a finalidade da pesquisa:
- A) Autenticidade: a redação é o momento mais penoso, mas também o mais importante do trabalho científico, pois é no esforço de colocar no papel, com palavras próprias, o conteúdo dos vários tópicos pesquisados é que se dá a aprendizagem. Coletar dados e organizar o material são apenas a fase preliminar, “o trabalho de cozinha”, por assim dizer. A contribuição para o progresso da ciência dá-se pela reflexão sobre o conteúdo temático e o modo pessoal de sua apresentação. Segundo os formalistas russos, a arte consiste no príon, no processo, na forma do arranjo estético que se dá à linguagem para expressar ideias e sentimentos. Algo semelhante acontece com a linguagem crítica: um pesquisador distingue-se de outro pelo modo peculiar de elaborar um plano de trabalho e pelo estilo pessoal de sua execução. A diferença está no fato de que o artista se serve da fantasia e o crítico da razão; o primeiro trabalha no plano conotativo, o segundo no denotativo. Exige-se, portanto, do pesquisador redação própria: em hipótese nenhuma deve apossar-se sub-repticiamente da escrita dos autores consultados sob pena de cometer plágio, apropriação indébita, desonestidade intelectual. Se considerar necessário fazer referência a textos alheios, deve sempre citar a fonte e, no caso de transcrição ipsis litteris, deve também colocar aspas. Todo cuidado é pouco porque, às vezes, o plágio acontece involuntariamente: ao utilizar o material recolhido nas fichas temáticas, o pesquisador pode confundir, na redação final, reflexões suas com períodos copiados de livros, omitindo a citação da fonte.
- B) Clareza: a linguagem de uma monografia científica não deixa de ser uma metalinguagem, pois fala de outras linguagens. Como tal, ela tem que ser referencial, denotativa, sem apresentar as conotações próprias da linguagem-objeto. Assim, por exemplo, um trabalho de análise e interpretação de um texto literário não pode ser ambíguo, plurívoco, polissêmico, características próprias da linguagem poética. Como observa Umberto Eco (8, p. 116), “um psiquiatra que descreve doentes mentais não se exprime como os doentes mentais”. Assim, um crítico literário não pode se exprimir por metáforas. O papel do crítico é explicar, tornar explícito o que está implícito, fazer vir à luz os sentidos recônditos numa obra de arte, numa doutrina filosófica, numa teoria científica. Ele funciona como intermediário entre o objeto estético ou científico e o público menos esclarecido. É lamentável constatar que alguns trabalhos críticos são mais complexos e herméticos do que os textos de arte ou ciência que pretendiam elucidar! Em lugar de esclarecer, acabam confundindo ainda mais a cabeça do pobre leitor com teorias esdrúxulas, fórmulas e gráficos de difícil compreensão.
- C) Correção, concisão, neutralidade: o discurso crítico tem que ser redigido numa linguagem correta do ponto de vista gramatical e sintático, respeitando os padrões de regência nominal e verbal, de concordância, de ortografia, de pontuação. Deve estar bem perto da norma culta, afastando-se de qualquer tipo de regionalismo. Tal exigência não é uma questão de purismo linguístico ou de pedantismo acadêmico: sua finalidade é facilitar a leitura do trabalho. Por exemplo, uma vírgula deslocada que separa o sujeito do verbo ou a inversão do predicado colocado antes do sujeito da oração dificultam o entendimento do texto. O escritor-crítico não pode permitir-se licenças poéticas concedidas ao escritor-artista, pois o desvio da norma, a ambiguidade ou a polissemia são características peculiares da linguagem poética. A redação de um trabalho científico deve ser clara, simples, concisa, objetiva, impessoal, evitando referências pessoais, arcaísmos ou neologismos, clichês, lugares-comuns, detalhes supérfluos, o óbvio e a redundância. Outros cuidados a serem tomados: usar critérios gráficos uniformes para margens, parágrafos, espacejamentos; colocar aspas simples ou duplas conforme a necessidade, sem se esquecer de seu fechamento; fazer uso das maiúsculas apenas nos casos previstos na norma culta de nossa língua; sublinhar ou usar uma grafia diferente para destacar títulos de livros ou de revistas, palavras não dicionarizadas ou em língua estrangeira, aportuguesar apenas os nomes das obras e dos autores clássicos consagrados: A Ilíada, Dom Quixote, O Asno de Ouro, Homero, Júlio César, etc. Seria uma deformidade inaceitável num trabalho crítico citar o dramaturgo italiano Luigi Pirandello pela adaptação de seu nome em vernáculo como “Luís Pirandelo”!