Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Desesperança

 
DESESPERANÇA


Pede estrêllas ao céo, ao campo flôres,
Escuridão á noite, ao sol fulgôres,
Tempestades aos mares;
Pede ao berço a innocencia e a candura,
Pede á virtude a alma da ventura,
Pede-me só pezares.

Se te apraz, vem commigo sôbre os montes
Descortinar em roda es horisontes
Té onde a vista alcança:
— Vês? na extrema, auri-negra nuvem passa;
Não conduz nem fortuna, nem desgraça,
Transporta a Esperança.


A’ nossos pés caudal esta cascata
Mugindo entorna espumas côr de prata,
Que tombam nas campinas:
Pensas que leva a morte em seus furôres?
Vai regar mansamente, entre verdôres,
Delicadas boninas.

Ergue as vistas ao céo, e se és poeta,
Arremessa o olhar como uma setta
Para além do hemispherio:
Que encontras nesses páramos profundos?
Mundos, céos ao redor, mais céos, mais mundos,
— Deus envôlto em mysterio!

Ah! se a origem da luz nos foge aos olhos,
Qual o pharol será nestes abrolhos
Que nos deve guiar?
Embalde a f’licidade marêemos,
Co’a esperança nos braços morrerêmos
Maldizendo este mar!

Que nem sequer ao homem seja dado
Ser tão completamente desgraçado,
Que sêl-o mais não possa!
No mal terrestre, ephemero e pequeno,
Ha um sabôr de nectar em veneno,
Que o infortunio adoça.


Eu tenho ancia de amôr, e de ventura;
Em vão minh’alma soffrega procura
No terra seus vestigios…
Volvo os olhos á noite—avisto estrêllas,
—Se á terra os humilhei, ai! ambas ellas
Perderam seus prestigios.

Só na virtude—somno de desejos—
Póde o homem colhêr trégoa aos arquejos
De um coração sedento;
E’ que ella vive olhando a sepultura,
Ou por entre trévas lhe fulgura
No abysmo um firmamento.

Se evaporar-se deve em esperança
A f’licidade que ante nós avança
Como a nuvem nos ares;
Se ella em meu peito já não mais se aloja,
Que te hei de dar?—aos pés da cruz te arroja,
Pede-me so pezares!