Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Eu
Naquella ermida derrocada agora
Já não sôa do sino a voz garrida
Pela cupola nua;
Nos ermos nichos alta noite chora
O môcho, e pela abobada fendida
Entra um raio da lua.
Eis minha historia, amigo: os que hei amado
Desceram para os tumulos; e eu vivo
Só de crueis lembranças,
Qual estatua de um templo derrocado;
Cerca-me este espetaculo afflictivo,
Cinzas sem esperanças.
Em vão na doce lyra dos amôres
Por um anjo clamei que ungisse as ruïnas
Do coração quebrado;
Que me fadasse um céo, lançando flôres
No meu caminho, e abrindo-me as cortinas
De um futuro dourado.
Como serei feliz!?… que anjo clemente
Ha de orvalhar-me com as roçantes azas
O esteril coração?…
Sedenta de emoções, minh’alma ardente
Incendiou-se, e o coração em brasas
Não sente uma emoção…
Hoje odeio o prazer, desprêzo as dôres,
Caminho sôbre rosas, sôbre espinhos,
Sem olhar para o mundo:
Morte, eu quero sagrar-te os meus amôres,
Quero gozar de teus fataes carinhos
N’um esquife bem fundo!…