No dia seguinte, à noite, Daniel foi visitar a família de Augusta.
O rapaz tinha curiosidade de saber que impressão lhe produziria a moça. Posto que não sentisse mais nada por ela, queria ver se o simples aspecto do rosto ex-amado teria força de despertar as recordações extintas.
Entrou firme e tranqüilo na sala.
Madalena esperou-o à porta; Augusta estava no sofá, e levantou-se apenas Daniel apareceu.
Feitos os cumprimentos do estilo, depois de uma longa viagem, Daniel disse que não cuidava encontrá-las no Rio de Janeiro, visto estarem fechadas as câmaras e ter o irmão de Madalena necessidade de voltar à província.
— A necessidade desapareceu por enquanto, disse Augusta; meu tio demora-se algum tempo...
— O que é um prazer para nós todos, disse Madalena.
Daniel curvou-se em sinal de assentimento.
A conversa tomou outra direção até que chegaram algumas visitas mais.
Daniel pôde ficar algum tempo a sós com Augusta, no canto de uma janela.
— Recebeu uma carta minha? perguntou a moça.
— Um simples bilhete.
— Isso mesmo. Não me julga leviana?
— Não; apenas audaz.
— É um sinônimo neste caso. Seja o que for; o certo é que recebeu a carta... e veio.
— Viria em todo caso, observou Daniel; mas o seu bilhete apressou a minha visita.
— Sabe o que lhe quero?
— Não adivinho.
— Lembra-se o que me disse há tempos?
— Disse-lhe que a amava.
— Pois bem, proponho-lhe uma coisa. Quer casar comigo?
Daniel ficou espantado com a franqueza desta pergunta. Fez-lhe o mesmo efeito de uma bala em cheio no estômago. Não atinando com a resposta, murmurou um monossílabo. Quem visse os dois julgaria que os papéis estavam trocados. Daniel assemelhava-se a uma donzela tímida, e Augusta a um cavalheiro amante e solícito, querendo arrancar da amada a resposta decisiva.
No fim de alguns segundos, disse Augusta:
— Não responde?
— Quer que lhe responda? perguntou Daniel, readquirindo o seu sangue frio. É tão singular esta pergunta feita por V. Ex.ª.
— Singular? Não acho.
— Singular por dois motivos. O primeiro é que essa pergunta costuma sempre ser feita por nós outros; aqui os papéis estão trocados; o segundo é que, depois do que me disse há tempos, aí...
— Mudei de opinião.
— De opinião? perguntou Daniel, sorrindo.
— De sentimento, queria eu dizer, respondeu Augusta. Não exijo a resposta imediatamente; basta que a mande amanhã.
E retirou-se da janela.
Daniel ainda ali ficou algum tempo, aturdido com o que acabara de ouvir. Tudo lhe parecia estranho naquela moça. Para supô-la leviana encontrava um desmentido no seu caráter, que estudara outrora; seria o que ele lhe disse a ela mesma, apenas uma audaciosa?
Daniel meditou nessa noite na resposta que lhe havia de dar, ou antes na forma de resposta, porque a resposta era negativa. Consultou o coração e reconheceu que nada sentia por ela. Estava frio. Enganá-la, seria baixeza; mais valia ser franco.
Mas como dizer-lhe, sem que lhe ofendesse os brios, esta revelação inesperada?
No dia seguinte, depois de muito meditar escreveu a carta seguinte:
“Minha senhora,
A singularidade da nossa situação só pode ter uma solução singular. Convidado a casar por uma moça bonita, prendada, que a todos os respeitos é a ambição de um homem, é singular que esse homem, não tendo outros compromissos, recuse o convite. Pois é justamente a minha resposta; tomo a liberdade de recusar.
Não me acuse, porém, antes de meditar bem nas considerações que me obrigam a recusar o seu convite. Aceitá-lo-ia, quando eu a amava; hoje, que o sentimento que lhe votava desapareceu de todo, não posso fazê-la feliz, porque casar sem amor é desgraçar uma senhora.
Tudo isto é singular; a maior parte dos casamentos fazem-se independentemente do amor. Mas, que quer? Eu, profundamente cético, a respeito de tudo, tenho a veleidade de crer no amor, ainda que raro, e quero que o amor seja a única razão do casamento.
À vista destas razões, o meu procedimento, recusando, é tão nobre e digno como vil seria se aceitasse. Creia-me, entretanto, seu amigo e respeitador”.
Fechou a carta e mandou-a.
Que impressão produziria ela no ânimo de Augusta?