Valadares era menos exigente que Daniel.
O que lhe parecia mal em Amélia eram as impertinências da mulher faceira, os caprichos, as imposições, de maneira que tudo acabaria se estivesse algum tempo fora dela... a espairecer.
Cuidou que a viagem a Minas era boa ocasião; mas Daniel não quis adiar a sua viagem para esperá-lo. Amélia soube disso e foi ajudá-lo nos seus desejos pedindo esse favor ao próprio Daniel.
Quando no dia seguinte, de manhã, Valadares encontrou a mulher à mesa do almoço, disse-lhe ela:
— Já preparaste as malas?
— Para quê?
— Para a viagem a Minas.
— Só, não vou.
— Vais com o Daniel.
— Mas ele não quer adiar...
— Quer.
— Como sabes?
— Pedi-lho eu.
Valadares tomou a liberdade de abraçar entusiasticamente a mulher diante da criada, cujo pudor lhe aconselhou imediatamente uma excursão à cozinha.
— Não sabes como te agradeço o que fizeste por mim.
— Ah! tens muito prazer em ir a Minas? Queres esquecer-me?
— Eu, lindinha? Nem por sombras. Quero estudar a província, e além disso preciso de tomar ares. O Valadão diz que eu estou caminhando para a cova, e que preciso reforçar a minha constituição. Sabe Deus que saudades levo de ti! Mas tu não queres ir.
— Bem sabes que não posso.
O almoço terminou alegremente; parecia que aqueles dois galés já saboreavam a felicidade de se separarem durante algum tempo.
Daniel resolveu responder às tolices de Amélia com partida imediata, sem embargo da promessa anteriormente feita. Ao princípio, repugnou-lhe o ato que era descortês; mas venceu o aborrecimento que Amélia lhe causara na tarde em que foi visitá-lo.
E justamente quando Valadares agradecia à mulher os esforços que fizera em favor dele, estava Daniel em caminho para Minas, acompanhado de um simples criado.
Valadares saíra de casa para ajustar objetos de que precisava para a viagem. Às duas horas, lembrou-lhe ir ter com Daniel.
— Onde está o amo? perguntou a um criado que lá encontrou.
— Saiu, respondeu o criado.
— Volta?
— Foi para Minas.
— Para Minas...
Valadares ficou contrariadíssimo com a notícia.
— Parece, disse o criado, que eu tenho aqui uma carta para o senhor.
— Para mim? Dá cá.
O criado foi buscar a carta e entregou-a a Valadares.
A carta dizia assim:
“Valadares,
Prometi à tua mulher que adiaria a viagem; mas sinto não poder cumprir a palavra prometida a tão gentil senhora, porque entrou-me por casa uma fúria, uma bisbilhoteira, uma mulher sem pinga de juízo que pôs a minha sala e o meu espírito em desordem. Para esquecer esta hóspede inesperada só me resta o recurso de precipitar a viagem. Até lá ou até à volta. Teu
Daniel”.
Valadares leu a carta e não a entendeu muito bem.
Quando Amélia soube que Daniel, a despeito da promessa que lhe fizera, havia partido, sentiu-se um pouco humilhada; mas como as impressões da moça eram passageiras, o ressentimento não lhe durou mais de um quarto de hora. Ficou, porém, despeitada com o bilhete de despedida de Daniel. Aquilo que Valadares não compreendia, Amélia o compreendia demais. Achou-se injuriada com as expressões da carta e mais ainda porque fora sem dúvida escrita na previsão de ser lida por ela.
Valadares resolveu seguir viagem na época escolhida por ele; mas um acontecimento estranho à nossa história impediu que a viagem fosse executada. Achando-se numa ceia com rapazes e moças, Valadares sentiu-se preso pelas algemas do amor, e sacrificou a viagem a Minas nas aras de uma Laís de contrabando.
Nunca mais falou em viajar.
Amélia ainda tentou mandá-lo tomar ares; e Valadares, que em todas as ocasiões, era o tipo do esposo maricas, desta vez resistiu violentamente, prova de que amava profundamente... a outra.