Justamente no fim da quadrilha, entrou na sala Amélia Valadares, sem o marido.
Já sabemos que Amélia era bonita; sabia vestir-se, exagerando um pouco as modas, é verdade; naquela noite, vinha bem; não havia exageração e havia, portanto, elegância.
Poucas pessoas, duas outras, sabiam até então da resolução tomada entre ela e o marido para se separarem. Por isso, foi-lhe fácil responder aos que lhe perguntavam por Valadares:
— Foi a um jantar político. Virá logo.
Desculpem a leviandade da rapariga; ela não dava mais de si.
Quando Amélia entrou, viu Augusta pelo braço de Luiz, conversando amigavelmente com ele; pela noite adiante reparou nessa intimidade maior que a que até então existia.
— Será amor? perguntou ela consigo.
Na primeira ocasião que teve para conversar mais largamente com Augusta, aproveitou-a. Foram para uma pequena sala de descanso, e aí, enquanto se dançava uma valsa, sentaram-se as duas num sofá.
— Dou-lhe os meus parabéns, disse Amélia.
— Por quê?
— Está de namoro e casamento pronto.
— Nem namoro, nem casamento, respondeu Augusta.
— Mas há esperanças de união?
— Isso sim.
— Logo...
— Quer que lhe diga uma coisa? É natural que eu acabe casando com o Luiz, mas não é por amor dele...
Amélia, neste ponto, pensou em Valadares.
— Caso-me por duas razões: a primeira é para acabar com os pretendentes à minha mão, continuou Augusta.
— E os pretendentes ao coração?
— Oh! esses!
— A segunda razão qual é?
— A segunda razão, continuou Augusta, é que o melhor meio de esquecer...
A moça hesitou.
— Acaba! disse Amélia.
— Escute, minha amiga; é um segredo que só aqui ficará. Sabe a quem é que eu amava e amo deveras?
— Ao Daniel?
— Sim.
— Eu desconfiava.
— Só aquele orgulho misturado de indiferença podia domar a minha indiferença e o meu orgulho.
— Mas então?...
— Então, é que tendo recusado sempre o que ele pediu, que era a minha mão e meu coração, cheguei um dia a oferecer-lhos.
— E ele?
— Recusou.
— Pelintra!
— Não; era justo; a culpada fui eu. Mas agora é preciso carregar a minha cruz. Quero ir para o Norte já e ver se esqueço isto...
— O Luiz há de ajudá-la a esquecer o amor de Daniel.
— Qual! disse Augusta com um gesto de tanta indiferença que seria capaz de gelar o Vesúvio em horas de explosão.
— Acabou-se a valsa, vamos passear, disse Amélia.
E saíram da sala.
Apenas transpuseram a soleira, saiu de um gabinete contíguo um homem que ali se achava, algum tempo antes de lá entrarem as duas raparigas.
Era Luiz.
O gabinete era o lugar em que trabalhava ou lia o tio de Augusta. Precisando escrever um bilhete, Madalena o levou ali, onde se achava quando as duas moças chegaram.
Quando entrou na salinha, estava lívido.
Tinha ouvido a verdade mais cruel de todas; uma mulher que fingia gostar dele, sendo indiferente; que se casaria com ele para escapar aos pretendentes, e que, casando-se, levava no coração a lembrança e o amor de outro.
Luiz ficou atordoado com o que ouvira; a sua primeira idéia foi aparecer no meio das duas moças, quando elas confidenciavam; mas reconheceu que isso apenas o exporia ao ridículo.
Quando percebeu que elas tinham saído, fugiu do gabinete onde abafava. As duas moças, como disse, tinham já saído; Luiz ainda viu de longe a formosa cabeça de Augusta dominando as outras como a de uma rainha.
Deu alguns passos cambaleando; depois atravessou a sala grande, e, sem que ninguém o percebesse, foi-se embora.
Durante a primeira meia hora não se reparou na ausência dele. Mas, afinal, descobriu-se que Luís tinha saído.
— Sem dizer-mo! pensou Augusta. É singular!
No dia seguinte, Luiz amanheceu doente; uma febre grave se declarou que o prostrou de cama oito dias. Mas era robusto e o organismo resistiu triunfante ao mal.
Quando se levantou, escreveu o seguinte bilhete a Augusta:
“Minha senhora, Ouvi tudo por simples acaso; é-me impossível satisfazer-lhe o desejo de casar por esquecer. Adeus.
Luiz”.
A carta não produziu grande comoção em Augusta; mas esta sentiu-se. Pela primeira vez, achou-se humilhada; argüia-lhe a consciência.