Ao sair do gabinete do pai, o bacharel Luís Fonseca trazia o rosto fechado, rangia os dentes e dava-se interiormente a todos os diabos de ambos os mundos, este e o outro. Entrou na alcova e fechou-se por dentro. Alguns minutos passeou de um lado para outro, gesticulando e murmurando palavras soltas, até que se sentou numa cadeira de balanço e fumou seguidamente dois charutos. Vieram chamá-lo para jantar e não quis; mas recebendo um recado intimativo do desembargador, seu pai, lá se foi arrastando até à mesa, onde pouco mais de nada comeu.
A causa de todo este mistério era nem mais nem menos um casamento. Logo depois do almoço desse dia, que era um domingo, o desembargador Fonseca mandou chamar o filho ao seu gabinete, e mal o vira entrar fechou a porta. Luís franziu a testa, mas esperou.
— Luís, disse o pai depois de alguns instantes: eu e tua mãe assentamos em fazer-te feliz. Estamos velhos e queremos deixar-te arranjado e tranqüilo. Resolvemos casar-te.
Luís estremeceu.
Naquela ocasião a idéia de casar valia o mesmo para o bacharel que a idéia de se atirar de um terceiro andar à rua. Sua vida era a coisa mais simples deste mundo e ao mesmo tempo a menos matrimonial: vadiava e divertia-se. Estava então na aurora o Alcazar Lírico da Rua da Vala, onde o bacharel passava as noites, digo mal, uma parte das noites, que o resto ia ele passá-las nos hotéis e outros sítios. Um casamento nestas alturas equivalia a um assassinato. O instinto de conservação chegou a abrir os lábios do moço, mas o pai, que adivinhou a objeção, continuou:
— A vida que levas é própria da tua idade, mas é já tempo de lhe pôr cobro; o casamento que te ofereço — poupa-me a ocasião de dizer que te imponho — é o meio mais eficaz de dar nova direção à tua vida. Tens uma carta de bacharel e um escritório de advocacia, mas nem o escritório, nem a carta te servem de coisa nenhuma. Isto não é vida, ou pelo menos não é vida séria. Com vinte e oito anos, creio que é tempo de te emendares.
O desembargador, que desde o adjetivo eficaz já tinha tirado a boceta do bolso, abriu-a tranqüilamente, tomou uma pitada, sem olhar para o filho, cujo rosto se fazia de mil cores, e que procurava alguma coisa que opor ao libelo do pai.
O pai continuou:
— Estou certo de que ficarás muito contente quando souberes a pessoa que te destino: é uma moça altamente prendada e digna de honrar o seu e o teu nome. Sei que ela gosta de ti, nem de outro modo poderia fazer-se o casamento.
Luís ouviu com indiferença este panegírico da sua noiva; fosse ela a formosa Helena ou a virtuosa Lucrécia, era para ele a mesma coisa, isto é, um fardo muito pesado, que ele desde já repelia do seu coração.
— Casas com tua prima Fernanda, concluiu o desembargador.
Um sorriso de lástima entreabriu os lábios de Luís ao ouvir o nome da noiva. A razão era que de todas as mulheres então existentes debaixo do sol, Fernanda lhe parecia a mais aborrecível de todas. Não negava algumas graças naturais; mas achava um ar de mortal insipidez. Nada que ela vestisse lhe parecia bem; e tudo o que ela dissesse lhe parecia mal. Mosca morta foi o nome com que ele a brindou um dia de anos, ao ver a indiferença que havia entre ela e as outras moças alegres e vivazes. Queria a sua desgraça que ao infortúnio do casamento se seguisse o do casamento com Fernanda.
— Se ao menos, dizia ele consigo depois na alcova, se ao menos me enforcassem com uma corda de seda, vá. Mas, não, senhor; enforcam-me com uma corda de estopa. Em cima de queda, coice. Matam-me e esfolam-me ao mesmo tempo.
O pai do bacharel ficou assaz admirado com a impressão que viu causar no filho o nome da noiva. Imaginava ele, pelo contrário, que Fernanda seria o mel de que fala o poeta, com que se adoça a beira da xícara do remédio para fazê-lo beber à criança. Nem por isso recuou; era disposição sua que o filho casasse, e por mais amargo que lhe parecesse o transe, o filho havia de obedecer.
— Estamos em dezembro, disse ele levantando-se, casas-te em março. Estou certo de que em abril me virás agradecer esta resolução.
O desembargador despediu o filho com um gesto. Luís apressou-se a sair, não tendo articulado uma só palavra, mas firmemente resolvido a afrontar tudo, antes de que entregar o colo ao cutelo.
— Não! exclamava ele na alcova logo depois da entrevista que acabo de resumir, não! Vai longe o tempo em que os pais preparavam os casamentos ainda contra a vontade dos filhos. Não sou criança nem menina inexperiente; seria até ridículo que eu me prestasse a semelhante comédia.
Com estas e semelhantes reflexões, encheu Luís Fonseca tempo até a hora de jantar, a que, como vimos, não pôde deixar de ir. Às ave-marias saiu de casa para ir narrar as suas desgraças a seus amigos íntimos.