Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CLX
A vida consiste no movimento; quem primeiro o causa, é o que se diz ser princípio dele, mas não se segue daqui, que a cousa que depois se move, fique com alguma porção do princípio, que a moveu. O braço quando move um corpo não se comunica a ele, e esse corpo não recebe em si, mais do que um impulso; o braço não põe mais do que a força, que serve de princípio ao movimento, mas nem por isso fica o corpo, que se moveu, com alguma parte do braço, que o fez mover. Em uma mesma luz se podem acender muitas mil luzes, mas nenhuma destas participa, ou tem em si nada da primeira; cada uma arde em substância própria, distinta, e separada; o que as distingue, é a matéria, que lhes vai servindo de alimento, e não a primeira luz de donde começaram. O incêndio não é menos activo, ou menos nobre aquele, que nasceu de uma faísca errante, do que aquele que viria de um fogo guardado no templo das Vestais. Quem há-de intitular ilustre a chama, porque veio de outra que diziam consagrada? E humilde aquela que procedeu de outra, que não tinha circunstância? Uma pedra preciosa regula-se-lhe o valor pela perfeição que ela mostra em si; a que nasceu no monte Olimpo não é por isso mais esclarecida, do que aquela que se achou em um vale rústico, e profundo. Só para o homem estava guardado o serem distintos uns dos outros, e o distinguirem-se, não pelo valor de cada um, mas pelo valor das cousas que os distingue. A Nobreza foi a maior máquina, que a vaidade dos homens inventou; máquina admirável, porque sendo grande, toda se compõe de nada. As outras vaidades, parece que são menos vãs; porque sempre têm algum objecto visível, e manifesto; mas por isso mesmo a vaidade da Nobreza é uma vaidade sem remédio; mal incurável, porque se não vê.