Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CXLIV
A História é uma das provas, com que a vaidade alega, e de que mais se serve na autenticidade da Nobreza: prova incerta, duvidosa, fingida, e também algumas vezes falsa: nela se vêem muitos sucessos famosos, acções, combates, vitórias; muitos nomes a quem essas mesmas acções enobreceram, ilustraram. Mas de quantas acções fará menção a história, que jamais se viram? De quantos sucessos, que nunca foram? De quantos combates, que nunca se deram? De quantas vitórias, que nunca se alcançaram? E de quantos nomes, que nunca houveram? Não é fácil, que pelas narrações da história se possa descobrir a verdade dos sucessos; ela comummente se escreve, depois de terem passado alguns, ou muitos séculos; de que se segue, que a mesma antiguidade é uma nuvem escura, e impenetrável, donde a verdade se perde, e esconde. Se a história se escreveu ainda em vida dos Heróis, o temor, a inveja, e a lisonja bastam para corromper, diminuir, ou acrescentar os factos sucedidos; por isso já se disse, que para ser bom historiador, é necessário não ser de nenhuma Religião, de nenhum país, de nenhum partido, de nenhuma profissão; e mais que tudo, se se pudesse, não ser homem. E com efeito se alguém se persuade, que há-de saber a verdade dos sucessos pela lição da história, engana-se: quando muito o que há-de saber, é a história do que os Autores escreveram, e não a verdade daquilo que escreveram.