Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/IX
Mas se é certo, que a vaidade é vício, parece difícil o haver virtude, que proceda dele; porém não é difícil, quando ponderarmos, que há efeitos contrários às suas causas. Quantas dores há, que se formam do gosto, e quantos gostos, que resultam da dor! Essa infinita variedade dos objectos tem a mesma causa por origem: as diferentes produções, que vemos, todas se compõem dos mesmos princípios, e se formam com os mesmos instrumentos. Algumas cousas degeneram à proporção, que se afastam do seu primeiro ser; outras se dignificam, e quási todas vão mudando de forma à medida, que vão ficando distantes de si mesmas. As águas de uma fonte a cada passo mudam; porque apenas deixam a brenha, ou rocha donde nascem, quando em uma parte ficam sendo limo, em outra flor, e em outra diamante. Que outra cousa mais é a natureza, do que uma perpétua, e singular metamorfósis?