Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/VIII
A vaidade por ser causa de alguns males, não deixa de ser princípio de alguns bens: das virtudes meramente humanas, poucas se haviam de achar nos homens, se nos homens não houvesse vaidade: não só seriam raras as acções de valor, de generosidade, e de constância, mas ainda estes termos, ou palavras seriam como bárbaras, e ignoradas totalmente. Digamos que a vaidade as inventou. O ser inflexível é ser constante; o desprezar a vida é ter valor: são virtudes, que a natureza desaprova, e que a vaidade canoniza. A aleivosia, a ingratidão, e deslealdade, são vícios notados de vileza, por isso deles nos defende a vaidade; porque esta abomina tudo quanto é vil. Assim se vê, que há vícios, de que a vaidade nos preserva, e que há virtudes, que a mesma vaidade nos ensina.