Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/LI
Só a vaidade dos Reis é vaidade justa, porque a Providência já quando os formou para a dominação, logo os destinou para figuras da divindade, e com uma semelhança mais que material, e indiferente; porque a mesma essência, de que são imagens, parece, lhes comunica uma porção da ideia, que representam. Por mais que os sucessos sejam regidos pelo acaso, contudo aos Reis não os faz a fortuna, nem o valor; mas sim aquela mesma inteligência, que dá os primeiros, e principais movimentos ao Universo. Ainda nos Orbes Celestes vemos alguns corpos, que parece custaram mais cuidado ao Autor do mundo, pois brilham com luz mais firme, mais intensa e mais constante. Os Monarcas parecem-se com os mais homens na humanidade, mas diferem nas qualidades da alma: a Coroa, que os cinge, não só lhes ilustra a cabeça, mas também o pensamento; o Ceptro, que indica a majestade, também inspira o esforço; e a grandeza no poder também influi extensão no espírito; por isso na arte de reinar não há regras, que possam ser sabidas por quem não é Rei.