Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/LXXI
Não é isto assim na solidão de um ermo. O mesmo homem, que fez a admiração da guerra, posto em um bosque é outro. O sussurro de uma fonte, que se despenha, o sobressalta; o movimento de uma folha, que cai, o atemoriza; o ruído, que o vento faz, o altera; tudo lhe parece uma emboscada; na mesma sombra de um carvalho, se lhe figura um esquadrão armado: esta é a diferença, que vai de um homem com vaidade, ao mesmo homem quando está sem ela; na campanha domina o espírito de vaidade, no bosque não; por isso o valor sobra na campanha, e no bosque falta; e com efeito naquela parte adquire-se a fama, e nesta só se salva a vida; naquela consegue-se o aplauso, nesta só se busca a liberdade do caminho; naquela há muitos que vejam, que digam, e que escrevam, nesta não há mais do que troncos mudos; naquela fazem Corte os Soberanos, nesta só se alvergam foragidos; naquela todos se mostram, nesta todos se escondem; aquela é um teatro de acções ilustres, esta é um reduto de acções abomináveis; finalmente ali nasce a nobreza, aqui extingue-se; ali perde-se a vida com honra, aqui conserva-se a mesma vida com ignomínia. Que notáveis diferenças! Em um lugar tantos motivos de vaidade, e nenhuns em outro: por isso o valor é próprio na campanha, e no ermo é natural a cobardia. O valor falta-lhe a alma, se lhe falta a vaidade, o braço logo fica sem vigor, e sem alento o peito: no perigo em que não há vaidade, a natureza só se lembra do horror da sua ruína.