Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/LXXII
A fugida traz consigo o vitupério, por isso muitos não fogem, porque os vêem; e fugiriam, se os não vissem; muitos se retiram enquanto os não conhecem, mas não depois de conhecidos; como se a desonra não estivesse na retirada, mas na notícia dela: ninguém se quer expor, se a vaidade o não expõe; e ainda que a vaidade não tira o medo, contudo esconde-o; e assim vimos a ser destemidos, não só porque a vaidade nos obriga, mas também porque nos engana: no meio do precipício, não nos deixa ver toda a extensão dele, e por mais que seja certo o nosso estrago, sempre a vaidade para animar-nos, o mostra como duvidoso; e sempre nos inspira que aos ousados a fortuna favorece. A vaidade não nos deixa, senão depois que nos entrega à morte, e só a morte que nos acaba, é a que acaba também a nossa vaidade.