Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/LXXXIV
Somos compostos de uma infinidade de paixões diversas, e entre elas a alegria, e a tristeza são as que se manifestam mais, e as que são mais difíceis de ocultar: o semblante reveste-se do estado do nosso ânimo, e a alma, que em qualquer parte do corpo nos anima, ou se mostra prostrada e sem acção, ou cheia de uma justa desordem, e de alento; se se vê aflita, nos desempara, e se retira ao fundo mais interior de nós mesmos; contente, procura aparecer, e se faz visível debaixo da forma do nosso riso. Isto mesmo sucede à vaidade; não se pode esconder, por mais que tome a figura de humildade, de submissão, e de reverência; a mesma vaidade quando está contente, logo se descobre, e se deixa ver debaixo de um ar altivo, e arrogante; se está menos satisfeita, então é que toma um ar de devoção, e desengano; contudo a hipocrisia da vaidade pode durar muito; porque como os homens de tudo se intumecem, em tudo acha a vaidade um exercício essencial; por isso não só há vaidade na alegria, mas também na tristeza: o homem não só se desvanece da fortuna, mas também da desgraça; de sorte que a vaidade é o mesmo que uma consolação universal.