Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/VII
Todas as paixões têm um tempo certo em que começam, e em que acabam: algumas são incompatíveis entre si, por isso para nascerem umas é preciso, que acabem outras. O ódio, e o amor nascem connosco, e muitas vezes se encontram em um mesmo coração, e a respeito do mesmo objecto. A liberalidade, a ambição, e a avareza, são ordinariamente incompatíveis; manifestam-se em certa idade, ou ao menos então adquirem maior força. Não sei se diga, que as paixões são umas espécies de viventes, que moram em nós, cuja vida, e existência, semelhante à nossa, também tem um tempo certo, e limitado; e assim vivem, e acabam em nós, da mesma sorte que nós vivemos no mundo, e acabamos nele. Com todas as paixões se une a vaidade; a muitas serve de origem principal; nasce com todas elas, e é a última, que acaba: a mesma humildade, com ser uma virtude oposta, também costuma nascer de vaidade; e com efeito são menos os humildes por virtude, do que os humildes por vaidade; e ainda dos que são verdadeiramente humildes é raro o que é insensível ao respeito, e ao desprezo, e nisto se vê, que a vaidade exercita o seu poder, ainda donde parece, que o não tem.