Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XCVI
Esta insigne máquina serve de delícia aos nossos olhos, e de pasmo ao nosso entendimento; toda se compõe de partes agradáveis, como se inteiramente fosse tirada de um fundo, ou princípio imenso de fermosura. A mesma desordem, e confusão das cousas nos recreia; o furor dos elementos forma um espectáculo perfeito: o ar com os seus bramidos, a terra com os seus tremores, a água com os seus combates, e o fogo com os seus incêndios. No vento admiramos um ar, ou espírito invisível, cuja força se emprega na ruína de muitas cousas sólidas; os terremotos já reduziram em montes as planícies, e fizeram planícies dos montes, como se o mundo não tivera o seu assento firme; as águas entre si se quebram, e despedaçam, e quanto mais horríveis, e agitadas, tanto mais nos mostram em líquido teatro mil vistosas aparências; o fogo ainda quando parece raio nos diverte, e ainda quando abrasa alumeia; a fermosura até se sabe introduzir na fealdade, no horror, no espanto.