Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XV
Bem se pode dizer, que o juízo é o mesmo que entendimento, porém é um entendimento sólido; por isso pode haver entendimento sem juízo, mas não juízo sem entendimento; o ter muito entendimento às vezes prejudica, o ter muito juízo sempre é útil; o entendimento é a parte que discorre, porém pode discorrer mal; o juízo é a mesma parte que discorre, quando discorre bem; o entendimento pensa, o juízo também obra; por isso nas acções de um homem conhecemos o seu juízo, e no discurso lhe vemos o entendimento; o juízo duvida antes que resolva, o entendimento resolve primeiro que duvide; por isso este se engana pela facilidade, com que decide, e aquele acerta pelo vagar, com que pondera. Ordinariamente falamos no juízo, e não no entendimento de Deus, e deve ser pela impressão, que temos, de que o juízo é menos sujeito ao erro, que em Deus é impossível; com toda esta ventagem, que achamos no juízo, pouco nos desvanece o ter juízo, e muito nos lisonjeia o ter entendimento. Consideramos o juízo como cousa popular, ou somente como uma espécie de prudência, sendo aliás cousa mui rara; e olhamos para o entendimento como cousa mais altiva, e em que reside a qualidade da agudeza; e assim mais nos agrada o discorrermos subtilmente, do que o discorrermos com acerto, e ainda fazemos vaidade de voltar de tal sorte as cousas, que fiquem parecendo, o que claramente se sabe, que não são. O engano vestido de eloquência, e arte, atrai, e a verdade mal polida nunca persuade. Fazemos vaidade de errar com subtileza, e temos pejo de acertar rusticamente.