Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXVI
A vaidade nos ensina, que as acções heróicas se fazem imortais por meio das narrações da história; porém mal pode caber na lembrança dos homens todos os grandes sucessos, de que se compõe a variedade do mundo: ainda o mesmo pensamento tem limite, por mais que nos pareça imensa a sua esfera. Não há história, que verdadeiramente seja universal: quantos Aquiles terá havido, cujas notícias se acabaram, só porque não tiveram Homeros, que as fizessem durar um certo tempo, e isto por meio do encanto de um Poema ilustre? Quantos Eneias sem Virgílios? Quantos Alexandres sem Quintos Cúrcios? Na infância do mundo começaram logo a haver combates, por isso as vitórias sempre foram de todas as idades; porém esses mesmos combates se desfaziam uns a outros; porque a fortuna do vencer sempre foi vária, e inconstante. As notícias das vitórias também se vinham a extinguir umas pelas outras. Se quisermos remontar ao tempo que passou, a poucos passos havemos de encontrar a fábula, coberta de um véu escuro, e impenetrável: tudo quanto aquele tempo encerra nos é desconhecido totalmente. Os primeiros homens, que à força de fogo, e sangue se fizeram árbitros da terra, nos mesmos fundamentos das suas conquistas deixaram sepultadas as suas acções; o valor com que puderam perpetuar nos seus descendentes o poder, e a majestade, não lhes pôde perpetuar o nome; das maiores Monarquias ainda se ignora quem foram seus primeiros fundadores.