Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXVII
Que são os homens mais do que aparências de teatro? Tudo neles é representação, que a vaidade guia; a fatal revolução do tempo, e o seu curso rápido, que cousa nenhuma pára, nem suspende, tudo arrasta, e tudo leva consigo ao profundo de uma eternidade. Neste abismo, donde tudo entra, e nada sai, se vão precipitar todos os sucessos, e com eles todos os Impérios. Os nossos antepassados já vieram, e já foram; e nós daqui a pouco vamos ser também antepassados dos que hão-de vir. As idades se renovam, a figura do mundo sempre muda, os vivos, e os mortos continuamente se sucedem, nada fica, tudo se usa, tudo acaba. Só Deus é sempre o mesmo, os seus anos não têm fim, a torrente das idades, e dos séculos corre diante dos seus olhos, e ele vê a vaidade dos mortais, que ainda quando vão passando o insultam, e se servem desse mesmo instante, em que passam, para o ofenderem. Miseráveis homens, género infeliz, que nesse momento, que lhes dura a vida, preparam a sua mesma reprovação; e que tendo vaidade, que lhes faz parecer, que tudo meditam, que tudo sabem, e que tudo prevêem, só a não têm para anteverem as vinganças de um Deus irado, e que com o seu mesmo sofrimento, e silêncio, clama, ameaça, julga, condena!