Eu creio que nos quatro livros anteriores eu expliquei elaboradamente as opiniões propostas pelos especuladores entre gregos e bárbaros, a respeiro da natureza divina e a criação do mundo; e eu não omiti[1] considerações sobre seus sistemas de mágica. Então não darei muito trabalho aos leitores, na minha ânsia de ir para frente desejando aprender, e firmeza em relação à verdade. Permanecendo assim, portanto, para acelerar a refutação de heresias; mas é para o propósito fornecer esta (refutação) que devemos avançar as afirmações já feitas por nós. Porque dos filósofos os heresiarcas criaram[2] pontos iniciais, (e) como asneiras remendadas, de acordo com a sua interpretação particular, as idiotices dos ancestrais, eles pregam essas idéias, para aqueles que são capazes de serem enganados, como se fossem novidades, de forma que provaremos isso nos próximos livros. No resto (do nosso trabalho), a oportunidade nos incentiva a usar o tratamento certo para os tópicos propostos, e começaremos com aqueles que presumem celebrar um serpente[3], aquela com quem se originou o erro (em questão), apesar de que certas expressões derivam suas próprias (ingenuidades). Os sacerdotes, assim, e campeões do sistema, foram inicialmente chamados de naasenos[4], sendo assim denominados por causa da palavra em hebreu para serpente, naas[5]. Subseqüentemente, porém, eles se denominam gnósticos, alegando que eles sozinhos sondaram as profundezas do conhecimento. Agora, do sistema desses (especuladores), muitos, omitindo partes, construíram uma heresia na qual, através de muitas divisões, é essencialmente única, e eles explicam precisamente as mesmas (doutrinas); apesar de serem transmitidas sob a aparência de diferentes opiniões, assim como na discussão a seguir, de acordo com seus progressos.

Estes, (os naasenos), então, de acordo com o sistema[6] pregado por eles, exaltam, (como causa originária) de todas as coisas, um homem e um filho de homem. E esse homem é hermafrodita, e é denominado entre eles de Adão; e muitos hinos são feitos a ele. Os hinos[7] entretanto - para ser breve - são expressos mais ou menos desta forma: "Vem de ti pai, e por ti (vem) a mãe, dois nomes imortais, progenitores dos éons, ó habitante dos céus, homem ilustre." Eles o dividem, como Gerião[8], em três partes. Porque, dizem eles, uma parte do homem, é racional, outra psíquica, e outra terrena. E eles supõem que o conhecimento dele mesmo é o princípio originador da capacidade do conhecimento de Deus, expressando-se assim: "O princípio originador da perfeição é o conhecimento[9] do homem, enquanto que o conhecimento de Deus é a absoluta perfeição." Todas essas qualidades, entretanto - racional, psíquico e terreno -, dizem (os naasenos) que, retiradas e colocadas em um homem simultaneamente - Jesus[10], que nasceu de Maria. E esses três homens dos quais (os naasenos) falam, estão falando (através de Jesus) ao mesmo tempo, cada um com as próprias substâncias que cada um tem. Porque, de acordo com eles, há três tipos de coisas existentes - angélicas, psíquicas e terrenas; e, deste mesmo modo, há três tipos de igrejas; e os nomes delas são eleita, chamada e cativa.

Notas editar

  1. Miller trocou apokaluyaj por paraleiyaj. Isso, entretanto, pode não dar sentido inteligível, a não ser que adicionemos "nem eu falhei para expor..." A correção de Schneidewin de apoxaluyaj para paraleiyaj é uma melhoria óbvia.
  2. Metalabontej; alguns leriam metasxontej, que se presume ser traduzido como "dividindo as opiniões que deram ocasião a essas doutrinas heterodoxas".
  3. Isto é, ofij. Este termo criou o epípeto "ofitas", dado a todas as denominações do gnosticismo que acreditavam nessas doutrinas.
  4. A heresia dos naasenos é advertida por outros escritores sobre heresias nos primórdios da Igreja. Ver Irineu, i, 34: Orígenes, Contr. Cels., vi 28 (p. 291 et seq. ed. Spenc.); Tertuliano, Proeser., c. 47 Teodureto, Haeretic. Fabul., i. 14; Epifânio, Advers. Haereses., xxv. and xxxvii.: Agostinho, De Haeres., xvii.; Jerônimo, Comment. Epist. ad Galat., lib. ii. O Abade Cruice lembra aos seus leitores que os naasenos levaram suas doutrinas até a Índia, referindo à Asian Researches (vol. x. p. 39).
  5. A palavra em hebraico é nachash
  6. Paraton autwn logon. Bernaysius sugere para essas palavras, patera tw autw logw. Schneidewin acha que a emendação é errônea, e Bunsen também, mas parcialmente. O último leria patera ton autwn Logon, isto é, "Os naasenos honram o Pai de todas as coisas existentes, o Logos e o homem, e o Filho do Homem".
  7. Ver Irineu, Haer., i. 1.
  8. Gerião (ver nota no capítulo 3) é mencionado como sinônimo de Jordão, isto é, "fluindo da terra" (gh ruwn).
  9. Gnwsij - um termo bem referenciado pelo Apóstolo João, e que dá nome ao "gnosticismo" e às várias formas da heresia ofítica. O aforismo no texto é um que personifica um grande princípio que está nas raízes de todas as filosofias ortodoxas. Nesta e em outras instâncias serão encontradas naquele sistema, porém com uma teologia turbulenta e incoerente, em relação aos naasenos e outras seitas gnósticas, que foram construídas por uma súbita análise do pensamento e observação.
  10. O abade Cruice repara que nessa passagem a afirmação sobre Jesus Cristo não corresponde com a de Orígenes sobre os naasenos em referência ao nosso Senhor, então a Philosophumena não pode ser trabalho de Orígenes.