Então eles se denominam "peratos" por crerem que nenhuma das coisas que existem podem escapar à determinação daquilo de que derivam sua existência na geração. Porque, dizem (os peratos), qualquer coisa que nasça, também perece, sendo também essa a opinião das sibilas[1]. Mas aqueles que sabem da necessidade da geração, e dos caminhos pelos quais os homens entram no mundo, e que possam ser instruídos precisamente (nesses assuntos), possam ser competentes para se esquivarem da destruição[2]. Para eles a agua é a destruição, porque tudo estraga mais rápido na presença de água. A água, porém, gira entre o Proastioi, (e) eles afirmam (ser) Cronos. Porque este poder dá cor à água; e deste poder - isto é, Cronos - nada que existe pode escapar. Porque Cronos é a causa de cada criação, e que sucumbe à destruição, assim nada do que existe deixa de sofrer interferência de Cronos. Isto, dizem eles, é o que os poetas afirmaram, e que assusta até os deuses:

Sabia que, diz ele, esta terra e os céus espaçosos de cima,
E a água do Estige, que é o juramento
Que de tão grande, é temido pelos deuses de vida feliz.

E, ainda de acordo com eles, não só os poetas falam sobre isso, mas também os homens mais sábios da Grécia. Heráclito é um deles, falando as seguintes palavras: "Para as almas a água se torna morte." Essa morte, segundo (os peratos), cercou os egípcios no Mar Vermelho, junto com suas carruagens. Todos os que são ignorantes (desse fato), dizem eles, são egípcios. E assim, eles afirmam que essa é a saída do Egito, (ou seja), do corpo. Porque eles afirmam que o Egito é o corpo, e deve se cruzar o Mar Vermelho - isto é, a água da corrupção, que é Cronos - e alcançar um lugar além do Mar Vermelho, isto é, a geração; e isso acontece após a caminhada no deserto, isto é, estar na condição independente da geração, onde existem promíscuamente todos os deuses da destruição e o Deus da salvação.

Então as estrelas são deuses da destruição, que impõem às coisas existentes a necessidade de gerar alternadamente. Estes Moisés denominou de serpentes do desertos, que atacam e arruinar aqueles que pensam que cruzaram o Mar Vermelho. Àqueles dos filhos de Israel que foram atacados no deserto, Moisés levantou a serpente perfeita e verdadeira; e aqueles que creram nessa serpente não foram atacados no deserto, isto é, (não foram atacados) pelos poderes (malignos). E assim, de acordo com eles, ninguém pode salvar aqueles que vêem do Egito, isto é, do corpo e deste mundo, a não ser a serpente que é perfeita. Aquele que fixa sua esperança nessa (serpente) não é destruído pelas serpentes do deserto, isto é, pelos deuses da geração. Essa é a interpretação deles do livro de Moisés. Esta serpente é poder que veio a Moisés[3], a vara que tornou em serpente. Porém as serpentes dos magos - ou seja, os deuses da destruição - se anteporam ao poder de Moisés no Egito, mas a vara de Moisés subjugou elas. Esta serpente universal, dizem eles, é o discurso sábio de Eva. Este seria o mistério do Éden, o rio do Éden; seria também a marca de Caim, para que ninguém que encontrasse ele o matasse. Este, dizem eles, é Caim[4] cujo sacrifício[5] o deus deste mundo não aceitou. No entanto, o sacrifício com sangue de Abel foi aprovado. porque o príncipe desse mundo se alegra (com ofertas) de sangue. Este, dizem eles, é aqueles que apareceu nos últimos dias, na forma de homem, nos tempos de Herodes, nascend de acordo com a semelhança de José, que foi vendido por seus irmãos, e que tinha o casaco de muitas cores. Este, ainda dizem eles, é aquele que de acordo com a semelhança de Esaú, cujas vestes - mesmo não estando ele presente - foram abençoadas; mas não recebeu a bênção por causa da visão debilitada (de Isaque)[6]. Ele, no entanto, adquiriu riquezas de outra fonte, recebendo nada porque seus olhos estavam escurecidos; e Jacó viu sua face[7] como um homem vê a face de Deus. A respeito disso, eles afirmam que foi escrito que "Nimrode foi um grande caçador perante o Senhor"[8]. E há muitos que tentam imitar (Nimrode): tão numerosos quanto as (serpentes) que foram vistas no deserto pelos filhos de Israel, que a serpente perfeita de Moisés libertou os que foram mordidos. Sobre isso, dizem eles, é que foi declarado: "E, como Moisés levantou a serpente no desertom assim importa que o Filho do Homem seja levantado."[9]. Por isso foi feita a serpente de bronze que Moisés levantou. Dizem eles que a imagem está no céus, cercada pela luz.

Este, dizem eles, é o grande início de que a Escritura falou. Eles usam a seguinte passagem:"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas forma feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens."[10]. E nele, dizem eles, foi formada Eva; (assim) Eva é a vida, mãe de todos os viventes[11] que tenham natureza comum, isto é, deuses, anjos, imortais, mortais, creatura irracionais (e) racionais. Porque, dizem eles, a expressão "todas" contém todas (as existências). E se os olhos de alguém são abençoados, esse alguém, olhando para o firmamento, verá no topo grandioso[12] do céu uma linda imagem da serpente, tornando-se o princípio originado de todas (as espécies) de movimento a todas as coisas produzidas. (Portanto) ele saberá que sem ela nada tem consistência, nem no céu ou na terra, ou debaixo dela. Nem a noite, nem a lua, nem os frutos, nem a geração, nem a riqueza, sustento ou qualquer uma das coisas existente, sem sua orientação. A respeito disso, dizem eles, é a grande maravilja que é contemplada no firmamento àqueles que observam. Porque no topo de sua cabeça, um fato incrível, mais do que todas as coisas, àqueles que são ignorantes, "estão arrumando e levantando combinados uns com os outros". Isso, a respeito da ignorância, está no hábito de afirmar; pois no céu:

Draco se revolver, monstro maravilhoso dos medos[13].

E em ambos os lado, foram colocados Corona e Lira; e acima, próximo ao topo da cabeça, está visível o homem "Engonasis"

Segurando o pé direito de Draco, com força[14].

E atrás de Engonasis há uma serpente imperfeita, sendo segurada com ambas as mãos por Anguitenes, e sendo impedida de tocar Corona, que está ao lado da serpente perfeita.

  1. Ver Oracula Sibyllina Fragm., ii. ver. 1.
  2. περασαι; daí seu nome "peratos", isto é, "transcedentalistas". Bunsen considera que tal derivação não seja verdadeira, mas meramente um pensamento. O título de um dos tratados peratos, como alterado por Bunsen de Οἱ προάστειοι ἕως αιθέρος para Οἱ Περάται ἕως αἰθέρος, isto é, Os etéreos transcendentes, concorda com sua hipótese subsequente.
  3. Êxodo 4:2-4, 6:9-13
  4. Gênesis 4:15
  5. Gênesis 4:5
  6. Gênesis 27:1
  7. Gênesis 33:10
  8. Gênesis 10:9
  9. João 3:15
  10. João 1:1-4
  11. O abade Cruice acredita que Hipólito está citando o Evangelho de Eva (ver Epifânio Hær., xxvi. 2).
  12. ἄκρᾳ, mas essa é uma leitura conjectural, a invés de ἀρχῇ.
  13. Arato, Phænom., v. 62.
  14. Ibidem, v. 46