Assim podemos fazer a comparação entre Simão Mago e este líbio, que pensaram que eram homens que se tornaram Deus[1]. Se uma afirmação dessas for precisa, e o feiticeiro fosse sujeito a um sentimento similar ao de Apseto, mas mostrar mais uma vez aos papagaios de Simão que o Cristo, que foi, é, e sempre será, não era Simão. Mas (Jesus) era homem, nasceu de uma mulher, nasceu do sangue e da vontade da carne, assim como todo o resto (da humanidade). E essa é a verdade, e nós provaremos à medida que a discussão avance.
Simão, parafraseando ingenua e astutamente a lei de Moisés, faz suas afirmações (desta forma): Quando Moisés afirma que “Deus é um fogo consumidor”[2], ao interpretar Moisés fora do sentido correto, afirma que o fogo é o princípio criativo do universo. (Mas Simão) não percebe que, pelo que é afirmado na passagem, que Deus não é um fogo, mas um fogo consumidor, (portanto) não apenas interpreta erroneamente a lei de Moisés, mas até plagiariza de Heráclito, o Obscuro. E Simão denomina que o princípio criador do universo é um poder indefinido, expressando-se assim: “Este é o tratado de uma revelação (da) voz e nome (reconhecido) por meio da compreensão intelectual do Grande Poder Indefinido. De onde será selado, (e) mantido secreto, escondido, (e) irá repousar na habitação, na fundação onde jazem todas as coisas.” E ele afirma que este homem que é nascido do sangue é a habitação (mencionada), e que nele reside um poder indefinido, que ele diz ser a raiz do universo.
Sendo o poder indefinido o fogo, Simão afirma que não é uma (essência) decomposta, (de acordo com aqueles que) afirmam que os quatro elementos são simples, e que imaginaram que o fogo, (que é um dos quatro) é simples. Mas (longe de ser o caso, ele diz) que o fogo tem duas naturezas[3]; e desta natureza dupla, ele separa uma parte “secreta”, e a outra “manifesta”, e a secreta está escondida na parte manifesta do fogo, e que a parte manifesta deriva sua existência da (parte) secreta. Entretanto, isso é o que Aristóteles denomina pelas (expressões) “potencialidade” e “energia”, ou (o que) Platão (chama de) “inteligível” e “sensível”. A parte manifesta compreende todas as coisas em si, qualquer um pode ver e discernir quaisquer objetos da criação visível[4] que queira observar. Mas a (parte do fogo) secreta só pode ser discernida pelo intelecto, e escapa ao poder dos sentidos; se alguém falha ao observá-la, deve procurar uma forma especial de percepção. Em geral, visto que todas as coisas existentes caem sob as categorias, isto é, se são objetos dos Sentidos ou se são objetos do Intelecto, de acordo com a denominação (que Simão) emprega os termos “secreto” e “manifesto”; pode ser (em geral,) ser afirmado que o fogo, (isto é), o (fogo) super-celestial, é um tesouro, como se fosse uma grande árvore, como aquela do sonho de Nabucodonosor[5], de onde todos tiram seu sustento. Ele considera como a parte manifesta do fogo o tronco, os galhos, as folhas, tudo que é externo. Todos esses (membros), diz ele, ao serem queimados, estão destinados a desaparecerem por meios das chamas do fogo-que-tudo-devora. Porém, o fruto da árvore, quando está maduro e formado, é guardado em um celeiro, e não é (atingido) pelo fogo. Porque, diz ele, o fruto foi produzido para ser guardade, enquanto que a palha é para ser queimada[6]. (A palha) é o tronco, (e é) criada não para seu próprio propósito, mas para o fruto.
Notas
editar- ↑ O texto aqui está ilegível. A emendação segue Miller. Cruice completou assim: “Nós comparamos ele com o líbio, que era um mero homem, não o verdadeiro Deus.”
- ↑ Deuteronômio 4:24.
- ↑ Cruice opina que Teodureto fez uso dessa passagem (Hæret. Fab., i. 1.).
- ↑ Ou τὸν ἀόρατον, “invisível”.
- ↑ Daniel 4:10-12.
- ↑ 1 Pedro 1:24.