A mesma decoração do primeiro ato.

CENA I

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BRÁULIO e GERTRUDES


BRÁULIO – Assim é que é: sessão cheia! pensei que o espanhol me tivesse desacreditado a casa, e hoje acudiu ainda mais gente! eu tinha chegado a calcular com a necessidade de mudar de acampamento.

GERTRUDES – Ora... a polícia aqui é tão boa!

BRÁULIO – Em sinal de gratidão não falemos nela.

GERTRUDES – E Dionísia? em que ficamos?...

BRÁULIO – É uma entrosga difícil! quem diria que o Quebra-louça em um abrir e fechar de olhos nos poria em revolução!... três contos de réis!... é um homem de bem: por mim estou resolvido a faltar a palavra ao Fábio, que é um impostor, e tanto mais que se arranja o negócio de modo que me deixam com cara de logrado, o que me serve para desculpar-me com ele.

GERTRUDES – Eu desconfio do Cincinato: é um estróina que se diverte a debicar-me.

BRÁULIO – Ele nos pagará: basta entregá-lo a Dionísia.

GERTRUDES – O pior é que Dionísia tem sua queda para Adriano.

BRÁULIO – Razão demais: isso indica ponta de capricho e ameaça de ligação demorada que não nos convém. O Quebra-louça há de desesperá-la em três dias, e não será capaz de sofrê-la três semanas: antes de um mês recolheremos Dionísia.

GERTRUDES – Então vou ralhar com ela, e convencê-la de que deve preferir o Cincinato. (Vai a sair)

BRÁULIO – Ao contrário: vai dizer-lhe cobras e lagartos do Quebra-louça, e sustentar a candidatura de Adriano; mas fala sempre na riqueza do outro: verás que ela muda de parecer: vocês todas são uns demônios de contradição...

GERTRUDES – Ora o Cincinato! quando mal se esperava...

BRÁULIO – É um homem de ouro! paga à vista e ao portador:

conquista como César, (Sussurro dentro.) começam...

UMA VOZ (Dentro.) – Basta, Cincinato?

CINCINATO (Dentro.) – Jogo por fora para ter direito aos eclipses: faço um entre-parêntesis para avaliar o que ganhei na tripa.

OUTRA VOZ (Dentro.) – Vai, malvado!

BRÁULIO – Ele chega... deves ir tocar; daqui a pouco faze Dionísia cantar algum lundu provocador.

CENA II

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BRÁULIO, CINCINATO e GERTRUDES, que se vai.


CINCINATO – Adeus, mamãe Gertrudes! (Ao encontrá-la.) GERTRUDES – Que diabo de homem! (Vai-se.)

BRÁULIO – Aborreceu-se de jogo?

CINCINATO – Venho triste: feliz no jogo, infeliz no amor; não apostei que não ganhasse... vou perder com a bela Dionísia... não é?...

BRÁULIO – Tenha mais confiança em si: merece muito e sabe querer as coisas; é pena que não procure recomendar-se melhor a Dionísia.

CINCINATO – Eu tomei por caminho a linha reta: procurei chegar ao coração da sobrinha, fazendo escorregar a mão pela bolsa do tio; sou da escola realista: falei claro.

BRÁULIO – E eu lhe respondi que talvez arranjássemos tudo a contento.

CINCINATO – Talvez é o vago e o escuro: talvez é o animal que tem a cabeça escondida no sim, e a cauda enrolada no não. Eu fui mais positivo... no que falei, apresento... olhe... é só para mostrar... (Abre a carteira e mostra.) seis notas de quinhentos...

BRÁULIO – Novas e bonitas... vejo bem; mas podem se fazer as coisas decentemente... o senhor é escabroso... exprime-se de modo...

CINCINATO – Nítido e transparente: resolva a questão.

BRÁULIO – Dê as suas ordens para que esteja pronto e à nossa porta o carro à meia-noite. Hei de convencer Dionísia.

CINCINATO – Convença-a; porque o carro chegará às onze horas; tenho o costume de preparar a couve antes da carne; mas pelo que me disse haverá em tal caso à sua porta dois carros para o mesmo fim, o de Adriano, e o meu: e se, por engano, a bela Dionísia... olhe, sr. Bráulio, tudo pode acontecer, menos somente uma coisa...

BRÁULIO – O quê?

CINCINATO – Ficar o senhor com o meu dinheiro, e eu sem a rapariga: declaração formal. Cincinato Quebra-louça assinado por cima de estampilha.

BRÁULIO – Pode estar tranqüilo: o senhor trata com um homem de bem.

CINCINATO – Isso está fora de questão; mas, em todo caso, há de ser como lhe disse: três contos de réis à portinhola do carro, estando o passarinho dentro.

BRÁULIO – De acordo; mas... o senhor nem respeita as conveniências...

CINCINATO – Quais? as suas?... e esta! quando lhe vou dar três contos de réis!...

BRÁULIO – Não é isso: é que o senhor nunca namorou seriamente Dionísia... nem mesmo hoje...

CINCINATO – Como é que se namora sério?... o namoro sempre me pareceu passatempo ridículo... eu gosto do positivo.

BRÁULIO – Ajude-me: faça a corte à Dionísia sentimentalmente; ataque-lhe o coração.

CINCINATO – Sentimentalmente, e atacando-lhe o coração?... vá feito: protesto que hei de tocar-lhe na tecla.

BRÁULIO – Sobretudo não comprometa o negócio, fazendo alguma das suas costumadas estúrdias: é o seu único defeito (Soa o piano em prelúdio.) ouça... creio que ela vai cantar, deixo-lhe o campo livre. (Vai-se.)

CENA III

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CINCINATO e, depois do canto, DIONÍSIA


DIONÍSIA (Cantando dentro: lundu) – Bonita e marotinha.

Eu sou como andorinha

Que, só, não faz verão.


Voando a sós no espaço,

Cair quero no laço

Que prende o coração.


CINCINATO (Canta.) – Caído e enrabichado

Sou peixe, teu pescado,

Com o anzol no coração.

Não fiques mais sozinha,

Vem cá, minha andorinha,

Vamos fazer verão.


DIONÍSIA (Rindo-se dentro.) – Ah! ah! ah! ah! (Canta.)

O amor de uma andorinha

Na sombra se amesquinha,

Quer lúcido esplendor.

Voando a sós no espaço,

Só cairei em laço

De enleio encantador.


CINCINATO (Canta.) – Meu laço é um tesouro,

Jóias, brilhante, ouro,

Súcia, teatro, ceia,

Sedas, e até veludo,

Coques, anquinhas, tudo,

E a bolsa sempre cheia.


DIONÍSIA (Canta dentro.) – Sou terna e já me inflama

Aquela viva flama.

Que abrasa o coração:

Pressinto que a andorinha

Não fica mais sozinha. E vai fazer verão...


CINCINATO (Canta.) – Por mim estou em brasas...

Se queres, bate as asas,

Me deixa ser ladrão;

Vamos tecer um ninho,

Voa, meu passarinho,

Vamos fazer verão.


DIONÍSIA (Dentro.) – Ah! ah! ah! ah! (Rindo-se.) mamãe, já viu moço mais engraçado! (Cincinato vai para a frente, mas observa.)

GERTRUDES (Dentro.) – Que te importa o moço?... tens às vezes modos que não parecem de uma menina recatada! (Cincinato põe a mão na boca para conter o riso e vendo que Dionísia vem, tira a carteira e põe-se a contar o dinheiro.)

DIONÍSIA (Chegando.) – Ah! era o sr. Cincinato! que bela voz!

CINCINATO – Minha linda senhora... a sua voz é que é estupenda mesmo quando não canta; mas devo confessar que neste momento me atrapalhou!

DIONÍSIA – Como?...

CINCINATO – Fez-me errar a conta... eu dava balanço no capital e nos lucros desta noite e já não sei, se estava em cinco ou em sete contos... é claro que com a senhora a meu lado não me é possível somar... e ainda menos poderei multiplicar o dinheiro... diminuir há de ser fácil, não acha?... (Guarda o dinheiro que Dionísia olhava.)

DIONÍSIA – O senhor é original.

CINCINATO – Dizem isso: mas eu não creio. Que formosa moça!... (Toma-lhe a mão.) Que mãozinha de cetim! (Beija-a.)

DIONÍSIA – Deveras o senhor ama-me? ...

CINCINATO – Com furiosa paixão; eu, porém, sou franco e nítido: não sei alambicar finezas como o feliz Adriano... vou logo direito ao coração, e ao sentimento... encantadora Dionísia! queres ajudar-me a devorar em poucas semanas o miolo desta carteira, e mais três dúzias de contos de réis que tenho depositados no tesouro?... é logo sim ou não para poupar emoções... sim ou não, andorinha?...

DIONÍSIA – O senhor ou brilha pela franqueza, ou perde pela zombaria. Falemos seriamente: que pensa de mim, e como é o seu amor?...

CINCINATO – Penso que tens enganado a cinqüenta, e que contas comigo para enganar a cinqüenta e um. Eu te adoro apesar disso; mas não respondo pela constância do meu amor... fica a teu cuidado perpetuá-la.

DIONÍSIA – Mas o senhor fala ainda melhor do que canta!

CINCINATO – É que conheço as claves, e canto conforme a letra, e o espírito da música. Proponho-te um acordo filosófico e sentimental: tu amar-me-ás apaixonadamente enquanto eu tiver dinheiro para gastar, ou não te der o vento para outro lado; eu te adorarei, enquanto não me esfriar esta paixão eterna: em caso de arrependimento de qualquer dos dois... bons dias ou boas noites, e viva a liberdade!

DIONÍSIA (Pondo-lhe a mão no ombro.) – És um anjo, meu Cincinato!...

UMA VOZ (Dentro.) – Isto é escandaloso!... (Sussurro.)

CINCINATO – Aquilo não é conosco; podes tranqüilizar-te.

OUTRA VOZ (Dentro.) – Eu jogo franco e liso... cem mil réis!

CINCINATO – Aquilo sim, é comigo; franco e liso.

OUTRA VOZ (Dentro.) – Aceito!

CINCINATO – E tu aceitas, ladrão?

DIONÍSIA – À meia-noite batemos as asas!

CINCINATO – E saudades a Adriano!

DIONÍSIA – Ora!... que bata a outra porta... é um tolo. Adeus! até meia-noite... devo tomar algumas disposições... estou doida por ti. Meu Quebra-louça; conta comigo. (Dá a mão a Cincinato e vai-se.)

CENA IV

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CINCINATO, que acompanha DIONÍSIA até a porta, e volta coçando a cabeça, como contrariado, e DEMÉTRIO.


DEMÉTRIO – Esta casa é um covil de larápios! depenaram-me.

CINCINATO – E estão para me depenar: consola-te.

DEMÉTRIO – Acho-me em singular e doloroso embaraço...

CINCINATO – E eu!... nem fazes idéia... estou com uma corda ao pescoço...

DEMÉTRIO – Perdi quatrocentos mil réis...

CINCINATO – E eu daria oitocentos para livrar-me de ganhar certa partida...

DEMÉTRIO – Sofri indigna afronta...

CINCINATO – E eu acho-me dez mil vezes mais afrontado... tenho um pesadelo horrível...

DEMÉTRIO – Quis jogar sob palavra e torceram-me o nariz! foi um insulto!... e quando eu tinha a certeza de ir ganhar!... e quando eu tinha a certeza de ir ganhar!... Cincinato... empresta-me duzentos mil réis? antes da ceia tos restituo.

CINCINATO – Prodígio, não me fales em dinheiro: é coisa que me irrita os nervos; olha, na primeira todos caem; na segunda, só os tolos; na terceira, só os doidos: jurei não passar contigo do segundo grau.

DEMÉTRIO – Por causa de alguns miseráveis centos de mil réis maltratas um amigo que por ti se tem comprometido em não sei quantas alhadas perigosas...

CINCINATO – Tu por mim nunca meteste prego sem estopa... tu... mas... ora esta!... que boa idéia!..

DEMÉTRIO – Empresta-me duzentos mil réis e me acharás pronto sempre a todos os sacrifícios da amizade; empresta-mos...

CINCINATO – Pois bem escuta, Prodígio: és capaz de quebrar louça hoje comigo?...

DEMÉTRIO – Sou: é experimentar.

CINCINATO – Não te empresto, dou-te já duzentos mil réis, e com eles ganha ou perde que pouco me importa; mas dez minutos antes da meia-noite a um sinal meu deixarás o jogo, receberás mais trezentos mil réis, e irás com uma bonita rapariga patuscar alguns dias fora da cidade, tendo para o resto desta noite hotel pago, e ceia a espera. Queres?

DEMÉTRIO – Que patifaria é essa?

CINCINATO – A rapariga é de pouco mais ou menos; não há receio de intervenção policial. Os duzentos mil réis já sob compromisso de honra; (Contando o dinheiro.) os trezentos mil réis na hora aprazada... queres?...

DEMÉTRIO – Mas... se não há risco de bulha com a polícia, dinheiro e moça bonita é ouro sobre azul... eu quero...

CINCINATO – E ainda mais uma rapariga de truz e por quem andas de queixo caído...

DEMÉTRIO – Aceito sem restrições: moça e dinheiro aceito.

CINCINATO – Toma, Prodígio; (Dá-lhe o dinheiro.) verás que a estralada é ainda melhor do que imaginas... a rapariga é Dionísia... segredo!

DEMÉTRIO – Oh!.. . será possível!...

CINCINATO – Facílimo: eu te explicarei tudo, e te darei as necessárias instruções... agora vamos jogar... (Indo-se.)

DEMÉTRIO – É sublime!...mas explica-me...

CINCINATO – Temos tempo: vamos jogar? (Vão-se.)

CENA V

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FÁBIO e ADRIANO, que entram.


FÁBIO – Aposto que se eu não chegasse, não deixavas Dionísia?...

ADRIANO – Hoje mesmo jurei não tornar a vê-la, e vim arrebatado cair a seus pés... esta mulher é a minha perdição... ah! se a visses e a ouvisses há pouco... é irresistível.

FÁBIO – Mas pareces aflito...

ADRIANO – Toca a hora de uma ação indigna, que repugna a minha consciência, e a que me arrasta o delírio da paixão; vou insultar publicamente minha mulher, dando a Dionísia casa e tratamento! É uma revolta contra a sociedade e contra Deus.

FÁBIO – Que puerilidade! até ontem exagerei as proporções e conseqüências do erro que vais cometer: porque era dever de amigo procurar impedi-lo; mas agora... digo-te a verdade; não praticas uma boa ação; o teu pecado porém é o mais comum dos pecados.

ADRIANO – E Helena?...

FÁBIO – Fará como tantas outras no seu caso: a princípio, lágrimas e desespero, logo depois, consolação nos teatros e bailes.

ADRIANO – Não! eu sinto que a minha traição será fatal a Helena! eu o sinto... e ainda assim... Oh! basta o primeiro passo na ladeira escorregadia das paixões!... imprudente, o homem conta demais consigo... cedendo a capricho insensato, ousa uma vez levar aos lábios a taça do vício... e a embriaguez lhe anula a vontade... deprava-lhe os sentidos... e o escravo do demônio, embalde o clamor da consciência, vai de rojo caminho de opróbrio e de condenação!

FÁBIO – Eu conheço mais de cinqüenta maridos que rir-se-iam muito da tua ingenuidade!

ADRIANO – Fábio!

FÁBIO – Tua paixão por Dionísia é talvez um favor da Providência, porque te arrancará ao frenesi do jogo que te arruinou. Trabalharás, e, com o concurso da minha amizade, hás de reerguer o teu crédito abalado no comércio. Não torna a jogar: tens muito que despender com Dionísia...

ADRIANO – Tens razão; mas jogarei esta noite pela última vez, Meu Deus!... se eu ganhasse muito hoje!

FÁBIO – Adriano, cuidado! (Sussurro dentro.)

ADRIANO – Pesa-me sobre o coração o depósito de seis contos de réis que amanhã não poderei restituir.

FÁBIO – Pela terceira vez te asseguro que o usurário me prometeu a espera de um mês... é negócio concluído...

ADRIANO – Meu amigo, tu me salvas... e nem pensas do que me salvas.

FÁBIO – Vou jogar... se absolutamente queres também fazê-lo, vem.

ADRIANO – Vamos... até a meia-noite... ah! se eu ganhasse muito!... (Vão-se.)

UMA VOZ (Dentro.) – Eu jogo com as cartas viradas... cem mil réis na dama!

CINCINATO (Dentro.) – O dote é provocador; mas eu prefiro ficar solteiro.

CENA VI

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DIONÍSIA e GERTRUDES


DIONÍSIA – Coitado! adora-me, como um cãozinho à sua dona! se o outro fosse bonito assim!... o Cincinato é feio que espanta; mas tem a carteira tão cheia que faz gosto ver!

GERTRUDES – E além da carteira tem quarenta casas de sobrado de dois andares para cima...

DIONÍSIA – Diabo do feio! Hei de ser um incêndio que lhe queimará em quarenta dias os quarenta sobrados. Há de me pagar caro o sacrifício do belo Adriano.

GERTRUDES – Esse é que é bom rapaz; já é porém um crivo de dívidas, é uma esteira velha de pobreza.

DIONÍSIA – Pois olhe mamãe, por mim não foi, comigo pouco despendeu: cinco vestidos de seda, um colar de pérolas e outro de brilhantes, dois pares de brincos, e uma flor das mesmas pedras, duas pulseiras, este relógio de ouro, um toilette completo de veludo carmesim, um leque de madrepérola, e este pince-nez... creio que não passou daí... eu o amo tanto que trago de memória os seus presentes...

UMA VOZ (Dentro.) – Cinqüenta mil réis.

CINCINATO (Dentro.) – Agora sim; eu sou dez.

OUTRA VOZ (Dentro.) – Cincinato joga por fora para pescar de caniço.

CINCINATO (Dentro.) – O pior é que muitas vezes vocês me comem a isca.

GERTRUDES – Cuidado com o Quebra-louça, Dionísia. Vê como ele é ladino...

DIONÍSIA – Está destinado a viver num inferno... começarei por obrigá-lo a convidar Adriano para cear conosco três ou quatro vezes por semana...

CENA VII

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DIONÍSIA, GERTRUDES e BRÁULIO


BRÁULIO – A hora se aproxima... os dois carros já estão à porta. Dionísia, não nos deixes por mais de um mês... eu irei fazer as pazes contigo... tu voltarás.

DIONÍSIA – Desta vez com toda a certeza; porque vou-me com um homem tão feio, que é mesmo de obrigação reduzi-lo em pouco tempo a cambista de teatro.

BRÁULIO – Sangue frio e rapidez na execução da fuga: Fábio não nos atrapalha, porque conta com o negócio, mas Adriano está com os olhos no relógio...

DIONÍSIA – Coitadinho!

BRÁULIO – Dois minutos antes da meia-noite foge; acharás à porta da rua dois carros, sobe para aquele que é puxado por cavalos... olha, não te enganes.

DIONÍSIA – Bem: e depois?

BRÁULIO – O Cincinato, levando o rosto coberto com um lenço branco que é o sinal ajustado, subirá a assentar-se a teu lado... o carro partirá, e... adeus pombinhos! feliz viagem, e boa noite.

DIONÍSIA – Com o diabo do feio!...

BRÁULIO – Que parvoíce! vai cantar, se quiseres: aposto! vamos.

GERTRUDES – Anda, afortunada rapariga! (Vai-se Bráulio para a esquerda.)

DIONÍSIA (Indo-se e cantando.) Batendo a linda plumagem

O amante passarinho

Exala ternos queixumes

Com saudades do seu ninho. (Vão-se pelo fundo.)

CENA VIII

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CINCINATO e DEMÉTRIO – CINCINATO olha em torno cuidadoso.


DEMÉTRIO – Ora! quando o vento me soprava!... ganhei só trezentos e vinte mil réis.

CINCINATO – Tens, pois, quinhentos e vinte, e dou-te mais trezentos mil réis; levas dinheiro para oito dias de pagode rasgado: esta noite hotel ainda à minha custa, e amanhã sem falta segue com Dionísia para Petrópolis.

DEMÉTRIO – E se ela não quiser? ...

CINCINATO – Mostra-lhe a carteira e verás como ela aplaude o caso. Vai: espera na rua... o lenço branco no rosto... salta para dentro do carro, logo que Dionísia embarcar, e o mais o cocheiro sabe.

DEMÉTRIO – Esta é mesmo de Quebra-louça.

CINCINATO – Vai, feliz substituto! dou-te dinheiro e amor.

DEMÉTRIO – Hás de ver o desempenho!... adeus. (Vai-se pelo fundo.)

CENA IX

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CINCINATO e BRÁULIO


BRÁULIO – O Demétrio se retira cedo... parece que perdeu.

CINCINATO – Qual! ganhou: não faz idéia que perverso é ele! esta noite incomodou-me muito... digo-lhe que Demétrio e Dionísia se namoram... creio que os apanhei em segredinhos... e com certeza riram-se um para o outro com ar de inteligência!...

BRÁULIO – Dionísia é vaidosa e o senhor é ciumento: não faça caso disso. Ela está perdida pelo senhor; mas... é quase meia-noite: ultimemos a nossa transação particular.

CINCINATO – Os três contos de réis?... conte com eles à porta da rua, e quando Dionísia estiver dentro do carro. Sem o pássaro na gaiola não caio.

BRÁULIO – O senhor duvida da minha probidade? (Dá meia-noite.) Meia-noite!

CINCINATO – Um minuto para Dionísia descer a escada... e corro...

BRÁULIO – E o meu dinheiro?...

CINCINATO – À porta da rua... venha comigo...

CENA X

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CINCINATO, BRÁULIO e GERTRUDES


GERTRUDES – Dionísia foi-se...

CINCINATO – A pontualidade me enternece... vamos...

BRÁULIO – E o meu dinheiro?

CINCINATO – À porta da rua, (Roda um carro.) um carro que parte... oh! vamos!... (Vão-se Cincinato e Bráulio correndo.)

CENA XI

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GERTRUDES e ADRIANO


ADRIANO – Dionísia!...

GERTRUDES – Já desceu: sem dúvida o espera; mas...

ADRIANO – Oh! (Quer correr e Gertrudes o impede.)

GERTRUDES – Olhe que meu irmão correu a persegui-la... não se deite a perder.

ADRIANO – Deixe-me! ela me espera... (Partindo).

CENA XII

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GERTRUDES, ADRIANO, CINCINATO e BRÁULIO


BRÁULIO – É uma infâmia!...

CINCINATO – Patifaria descomunal!... Dionísia fugiu com Demétrio! e o senhor... o senhor... (Em simulado furor.)

ADRIANO – Dionísia! oh! Dionísia!... (Vai-se, correndo.)

CENA XIII

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GERTRUDES, CINCINATO e BRÁULIO


GERTRUDES – Minha filha!... não entendo...

BRÁULIO – Entende! você é abelha mestra! você entrou nesta pouca vergonha!... (Gertrudes fica espantada) entrou!...

CINCINATO – E eu!... atraiçoado... ameaçado no meu dinheiro... ferido no coração... o golpe foi profundo... ingrata Dionísia!... fica declarado que ela... e os senhores... firma industrial, Dionísia & Cia me assassinam... fica declarado... Cincinato Quebra-louça assinado por cima de estampilha. (Cai, fingindo desmaiar) ah!...

BRÁULIO – E ainda em cima a zombaria!... foi uma conjuração... o senhor me há de pagar!... é um estelionato!...

CENA XIV

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CINCINATO, GERTRUDES, BRÁULIO, CRIADO apressado.


CRIADO – Com urgência... com urgência... (Dá uma carta a Bráulio.)

BRÁULIO (A um lado e Gertrudes lendo pelo ombro de Bráulio.) – “Por amor da bela Dionísia: dentro de meia hora a polícia cercará a sua casa; há denúncia de que aí está jogando um caixeiro que falsificou a firma do amo em letras que descontou na praça. Previna-se: queime este bilhete.” Inda mais esta!... a polícia!... (Corre para a direita.)

GERTRUDES – Misericórdia!...

CINCINATO (Levantando-se.) – Dionísia foi presa?...

GERTRUDES – Não... não... é a polícia que vem cercar-nos a casa!...

CINCINATO – A polícia?... em casa de jogo?... a velha dormente?... oh! enquanto ela pinta os cabelos, põe as anquinhas, e calça as botinas, eu toco a retirada em passo ordinário sem receio de encontro perseguidor. (Vai-se: ansiedade de Gertrudes.)

CENA XV

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GERTRUDES, BRÁULIO, FÁBIO E JOGADORES todos em susto e desordem, falando precipitados e quase a um tempo.


VOZES – A polícia! a polícia!...

GERTRUDES – A casa já está cercada!

VOZES – Tranque-se a porta! (Trancam-se as portas.)

VOZES – O asilo do cidadão é inviolável.

GERTRUDES – Ouço passos na escada.

UM VELHO – Sou oficial da Ordem da Rosa e tenho honras de coronel... hão de respeitá-las...

UM JOVEM – É meu pai! é meu pai!...

UMA VOZ – Oh! que desgraça!...

VOZES – Que foi? ...

A MESMA VOZ – Um moço atirou-se da janela abaixo!...

VOZES – Infeliz!... é o caixeiro!...

OUTRAS VOZES – Fujamos pelos fundos da casa!...

BRÁULIO – Senhores!... a casa ainda não está cercada...

GRITO GERAL – Fujamos!... (Corrida geral.)


FIM DO QUARTO ATO